Publicado por: Fernando Albrecht • 15 set • Publicado em: A Vida como ela foi •
Quando cheguei a Porto Alegre em definitivo, tive que comer o pão que o diabo amassou. O salário de bancário não era essas coisas, o que salvava eram as duas gratificações anuais e o 13º. A grana saía dia 28 e durava até o dia 12 ou 13, dependendo de quantas vezes você ia a um bar-chope e quanto você e o que você comia – o chope era barato – e quantas vezes ia para os cabarés praticar o combate de Eros com as moças de vida airosa.
Durante a semana, a gente se virava, comia fiado em alguma pensão, dessas de comer tapando os olhos para não ver bichinhos no arroz e no feijão. Mas nos domingos era brabo. Tudo fechava naqueles tempos, do pé-sujo ao restaurante fino. Menos no Centro, especificamente no Abrigo dos Bondes, na rua José Montaury em frente à Galeria Chaves. As bancas de pasteis, sucos, bolinhos de carne e outros abriam por causa do movimento dos passageiros.
A comida mais pedida, se é que dava para chamar assim, era um toletão cor de chocolate, um tijolo que sofreu encolhimento. Era feito de restos de doces e pães que sobravam, prensado até o limite. Se comia frio, mas pelo menos preenchia o estômago.
Certo domingo, eu estava mais pelado que nudista, e a fome veio feroz. Recorri a amigos, busquei pensões para tentar comer fiado deixando até meu reloginho barato como garantia, fui de Ceca a Meca e não achei um mísero lugar para comer. Desesperado, percorri a Rua da Praia umas duzentas vezes para ver se achava amigo, conhecido e até cliente do banco para ver se ele me pagava um mata-fome.
Não achei. Aí que eu senti na pele o que era dormir de barriga vazia.
Publicado por: Fernando Albrecht • 1 comentário em O mata fome