• Convite ao duelo

    Publicado por: • 13 abr • Publicado em: A Vida como ela foi

     

    Desde que os debates no Congresso Nacional passaram a ser exibidos, o povo em geral abandonou o respeito remanescente que tinha pelos políticos. Não tem como você respeitar alguém e a própria liturgia do cargo quando parte para a ignorância verbal e para o próprio desforço físico. Mesmo quando muito admirado, ninguém resiste à rotina parlamentar. Vistas de baixo, as túnicas deles não raro mostram cuecas sujas.

    Daí que a política parlamentar tupiniquim é a única ou uma das únicas que mistura tratamento respeitoso com palavreado chulo. Há alguns anos eu ainda tinha um arquivo pret-a-porter de insolências ditas em plenário, mas por um desses desastres naturais – eu ainda acho que são os gnomos – perdi o valioso acervo. Mas tenho alguns de memória, embora não lembre a data nem os autores – ou seriam atores? – e a casa parlamentar.

    Um deles aconteceu em uma Câmara de Vereadores nos anos 1970. Digladiavam um vereador governista e outro oposicionista, quando um deles puxou uma ofensa aguda da algibeira.

    – Vossa Excelência é um grande filha da puta!

    Como se vê, não teve atenuantes. O cara foi da primeira à quinta marcha sem passar pelas anteriores. Aturdido, e pasmo com a virulência do ataque, o edil atingido sacou do primeiro .45 que tinha à mão.

    – E Vossa Excelência é…é…corna!

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  • Os ases do baralho

    Publicado por: • 9 abr • Publicado em: A Vida como ela foi

     

    Com ou sem marqueteiro, eleição sem cabo eleitoral não é eleição. São indispensáveis, e um bom vale ouro, especialmente em eleições regionais. Nos anos 70 conheci um chamado Oswino, que conhecia tudo e todos ao longo das rodovias que levavam ao Interior. Certa vez viajei com ele ao longo da BR-386 e fiquei espantado. Não tinha posto, borracharia, restaurante fino ou pé-sujo em que ele não conhecesse o dono, o garçom, a faxineira. Mais ainda, sabia dos filhos, quem estava na faculdade, quem casou ou ficou viúvo. Mas também há cabos eleitorais, digamos, excêntricos.

    Eleições de 2003. Após almoço em restaurante do Shopping Total, eu e outros colegas e executivos fomos abordados no estacionamento por um senhor borracho. Veio em nossa direção como ir de Porto Alegre a Caxias do Sul via Uruguaiana. Antecedeu-o um bafo de cachaça de matar onça em uma só respirada.

    Depois de várias tentativas fracassadas, puxou do bolso de trás da calça três santinhos de candidatos, agrupados como cartas de baralho. Como ele conseguiu tirar uma grana dos três ao mesmo tempo é um mistério. Dedo em riste, um olho fechado para dar condições de foco para o outro, passou a dar a ficha técnica de cada um. Isso naturalmente levou um bom tempo, porque ia e voltava na peroração.

    Às vezes ele misturava o currículo de um e outro, presumo que para manter a dignidade e o equilíbrio ao mesmo tempo. Naquelas condições é um dos 12 trabalho de Hércules.

    De repente sua voz falhou, entrou em ritmo de câmara lentíssima. Virou os três santinhos agrupados, coçou a orelha – imagino que tenha mirado o cocuruto – e falou sem hesitação, voz quase firme apontando o candidato do meio.

    – Pensando bem, esse não recomendo. É um ladrão! Tem toda pinta!

    Como não sou lá muito adepto da teoria do doutor Cesare Lombroso, salvo em alguns casos de julgamento de caráter, e mesmo assim depois de 10 minutos de papo, fiquei na dúvida. Pela teoria das probabilidades, pelo menos um deles se enquadrava na definição.

     

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  • O avião do Mijogaio

    Publicado por: • 7 abr • Publicado em: A Vida como ela foi

    O causo de hoje é do meu amigo Davi Castiel Menda. Cá vai:

    Entre as décadas de 60 a 80, um dos “patrícios” mais conhecidos do bairro Bom Fim, Porto Alegre, era o Mijogaio. Claro que Mijogaio era apelido; o seu nome não vem ao caso. Além de sua atividade normal, adorava jogar, esse o motivo de o chamarem assim. Mas poucos, mesmo os que o conheciam, sabem da origem do apelido. Vai aí a explicação: quando alguém pretendia apostar, mas apostar qualquer coisa mesmo, seja corrida de cavalos, futebol, eleições, placas de automóvel, se ia chover ou não, e propunha ao Mijogaio e, este concordando com a aposta, respondia, pausadamente, num misto de português, iidishe, espanhol, húngaro: mi joga ió (eu jogo sim). Com o tempo, as palavras foram se aglutinando e transformaram-se em, simplesmente: Mijogaio.

    Uma das suas paixões era o turfe. Mijogaio teve vários campeões nas pistas do Hipódromo do Cristal. Eu, sendo cronista (transmiti corridas de cavalo por muitos anos), fui entrevistá-lo, num domingo pela manhã, sobre as condições de determinado cavalo de sua propriedade, que correria um Grande Prêmio à tarde. Evidentemente que o lugar certo para encontrá-lo seria no Bom Fim, mais precisamente no Bar do Serafim, na esquina da Felipe Camarão com Osvaldo Aranha, mais conhecido como Bar Fedor (o famoso Schtink), ponto tradicional de reunião de políticos, milionários, pedintes, boêmios e, principalmente, judeus de todas as classes sociais.

    Mijogaio estava numa das tantas rodinhas que se formavam em frente ao bar. Após informar-me sobre as chances do seu cavalo, fiquei por lá saboreando a conversa. De repente, passa uma moça daquelas de fechar o comércio, ficando todo mundo embasbacado. Um dos participantes da roda, mais como diversão, perguntou ao mais idoso da turma como se chamava “aquilo” em iidishe. Após pensar uns segundos, o velhinho disparou uma resposta que, pelo inusitado, é uma pérola:

    -Aviónnn.

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  • O meu coelho

    Publicado por: • 2 abr • Publicado em: A Vida como ela foi

    As novas gerações não têm ideia de como Páscoa antigamente alegrava as crianças. Dependendo da renda dos pais, pouca coisa era chocolate e marzipã, ou maçapão, como nós chamávamos então. Ovo era feito de açúcar cristalizado. A diversão da criançada era descobrir ovos (duros de galinha) pintados com anilina, escondidos “pelo Coelhinho” nas moitas, mais amendoim doce torrado colocado em ovos vazios e coelhos de pão-de-mel. Era tão pouco, mas parecia às crianças a casa doce de João e Maria, Hänsel und Gretel no alemão, um dos tantos contos dos Irmãos Grimm (sempre eles…).

    Estou sempre ouvindo, e ouço há décadas, que a Páscoa e a Sexta-Feira Santa devem servir para reflexão. Pode ser que alguém reflexione, mas não eu e outras trocentas milhões de pessoas. Desculpe a rudeza, mas quando há um tempo livre o cidadão, hoje, quer mais é não pensar em nada e simplesmente curtir o feriadão.

    Por isso mesmo que temos saudades da nossa infância e do Coelho, do Papai Noel. A véspera sempre foi melhor que o dia D e o prazer da descoberta dos ovos que nossos pais escondiam, simples ovos duros de galinha, pareciam pepitas de ouro. Éramos crianças então, o mundo nos sorria. A carranca veio muito depois.

     

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  •  A tampinha do comendador

    Publicado por: • 31 mar • Publicado em: A Vida como ela foi

     

    A Pepsi-Cola tornou-se o segundo refrigerante mais consumido nos Estados Unidos, passando a Coca Diet. A ultrapassagem ocorre no momento em que consumidores estão deixando as bebidas diet por opções mais saudáveis, como chá, água ou café. Os dados são referentes às vendas de 2014 e foram publicados pela Beverage Digest.

    A Coca-Cola ainda é a bebida mais vendida no país, com uma participação de mercado de 17,6%. Hoje, a Coca Diet corresponde a 8,5% do total, depois que as vendas caíram 6,6% em 2014. Já a Pepsi tem uma fatia de 8,8%.

    No final dos anos 1950 dizia-se que a Coca só perdia para a Pepsi em duas cidades do mundo: Nova Iorque e Porto Alegre. Tudo por causa de um visionário, o comendador Heitor Pires. A Pepsi tinha fábrica na frente do hoje Shopping Praia de Belas, então terreno à margem do rio Guaíba. Ele instituiu um concurso genial que levou a venda da Pepsi às alturas. A torcida que recolhesse mais tampinhas de Pepsi para seu clube dava direito a um ônibus de luxo para levar o time. Tirando a cortiça da tampinha, havia diversos brindes e uma delas tinha a efígie de um Fuscão (chamado de Fuca pelos gaúchos). Um felizardo ganhou o prêmio – o Aimoré de São Leopoldo levou o ônibus.

    No anedotário que cercou a promoção, contava-se que um vigário geral conseguiu fazer exatamente o desenho da única tampinha premiada, com detalhes microscópicos tais que o jurídico do comendador achou que deviam pagar para não amargar derrota na Justiça. Quase levou. Um detalhe o traiu.

    A tampinha era de cerveja Brahma.

     

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