• Um dia daqueles

    Publicado por: • 11 fev • Publicado em: A Vida como ela foi

    “…não estava na sala. Vou em várias outras e nada. Entro nos dois banheiros”

    Termina o Jornal Gente da Rádio Bandeirantes AM e desço para o estacionamento. Entro no carro, ligo o motor e olho pelo retrovisor antes de dar ré. Os faróis da Ecosport do comentarista esportivo Luiz Carlos Reche estão acesos. Desligo o carro, subo dois andares e tento localizá-lo. Não estava na sala. Vou em várias outras e nada. Entro nos dois banheiros e o chamo pelo nome. Nada. Não está nos estúdios, nem na Central. Peço para a telefonista localizá-lo. Ela não o acha. Passo por passar na sala dele e olho a portinhola de vidro, o Reche está lá. Devia estar catando dinheiro no chão.

    – Ô Reche, os faróis do teu carro estão ligados. Tua bateria se vai rápido desse jeito.

    O meu amigo mal e mal levanta os olhos.

    – Eu sei. Faço isso para alavancar as vendas da minha fábrica de baterias para carros, a Baterias Reche.

    Assim, sem rir nem nada. Sério. Fiquei segurando a porta aberta por uns bons minutos.

    – Reche, eu vou contar essa história no meu site.

    – Pode contar. É a mais pura verdade.

    E ficou dedilhando algum texto no computador. Me senti um inútil. Ia ser um dia daqueles.

     

     

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  • Os malucos

    Publicado por: • 10 fev • Publicado em: A Vida como ela foi

    “…o passageiro entra em pânico e começa a rezar, pede para o cara parar”

    Há dias comentei na página 3 do Jornal do Comércio que o número de malucos no trânsito está aumentando de tal maneira que em breve eles serão maioria e nós, os normais, é que seremos acusados pelas tragédias. Lembrei de duas piadas antigas sobre o tema. Em uma, o sujeito entra com seu carro na Free Way na contramão e afunda o pé. Com o rádio ligado, ele ouve uma notícia urgente dando ciência que há um maluco na contramão na via expressa. Ele então pega o celular e liga para a emissora.

    – Avisa aí que não é só um doido, são centenas!

    Na outra história, porto-alegrense apanha um táxi em Ipanema, Zona Sul, e manda tocar para o aeroporto Salgado Filho. O taxista aciona o taxímetro e se manda à toda sem parar em nenhum sinal vermelho, passa todos na sua roleta russa motorizada. O passageiro entra em pânico e começa a rezar, pede para o cara parar e nada, ele só vai. O último sinal antes do aeroporto está no verde. Surpreendentemente, o motorista pisa forte no freio e para bem embaixo da sinaleira.

    – Mas o que é isso, seu! Passas em todos os sinais vermelhos e para justo no que está aberto para ti? Qual é a lógica?

    O taxista o olha pelo retrovisor.

    – A lógica é que poderia vir um colega maluco por aí…

     

     

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  • A valentia do coronel Dudu (final)

    Publicado por: • 29 fev • Publicado em: A Vida como ela foi

    “…aqui só tem viado, xiru mesmo só eu”

    – Buenas que me espalho, nos pequenos dou de prancha, nos grandes dou de talho! Dito isso, o coronel Dudu olhou em volta para observar o efeito do desafio. Ninguém deu a mínima. Afinal, um baixinho pilchado, ligeiramente adernado e desafiador, não chegava a ser novidade no Pelotense. Atrás da caixa, o dono, João Mariano, mal e mal ergueu os olhos. Aí Dudu resolveu engrossar. – E não tem macho nessa casa! As coisas de sempre do ideário xiita gauchesco. Mesmo assim, ninguém se dignou a olhar de novo, a não ser para manifestar desagrado por estragar o clima. Afinal, beber é um ritual sagrado. – Aqui só tem viado e borracho de segunda… Nessa hora, João Mariano franziu o sobrolho. – …digo e repito, só viado! Xiru mesmo só eu! A Mesa Um, irritada, desandou a gritar para que Dudu encerrasse a performance e fosse curtir o porre noutra freguesia. Vai gritar num CTG, nanico de merda! Mesmo enxergando apenas uma densa neblina, Dudu radicalizou. Foi para trás do balcão, subiu num caixote que era usado para tirar bebidas do alto das prateleiras e voltou a desafiar a platéia. – E quem quiser me encarar, estou aqui para o que der e vier! Na mão ou na adaga! Aqui ou lá fora, apareça quem for homem! João Mariano deu um suspiro. Abaixou-se, pegou um facão de derrubar pinheiro de 20 metros, deu a volta e, com cara de quem foi Dr. Jekyll e virou Mr. Hyde, deu um planchaço no balcão de mármore. O som resultante foi algo horripilante. Durante muitos segundos, aquilo ressoou como as trombetas do juízo final. Dudu estacou. Depois daquele dia, ele nunca mais ouviu direito. Foi sua vez de trocar de identidade – de Jekyll para Hyde numa velocidade espantosa. Desceu da caixa, humilde, cara de guri borrado, e saiu de mansinho. – A gente não pode nem mais brincar nessa casa… João Mariano deu um último olhar assassino para o coronel Dudu e voltou para a caixa. Por estas e por outras, por ter que agüentar todo santo dia borrachos assim, certo dia ele disse para a cozinheira Fifa que iria para o dentista e voltaria em duas horas. Nunca mais voltou. Sumiu. Nem deu notícias.

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  • A valentia do coronel Dudu (I)

    Publicado por: • 28 fev • Publicado em: A Vida como ela foi

    “…o certo é que a bombacha tinha marcas da enchente de 1941”

    O coronel Dudu nunca foi coronel e muito menos tinha aparência de um, da ativa ou da reserva, mas assim alguém o chamou algum dia e assim seu apelido ficou. Do alto dos seus 1,65 metro, dava-lhe algum status. Era um dos mais assíduos freqüentadores do lendário Bar Pelotense, na rua Riachuelo. Pertencia à ala do Proálcool conhecido como “Ala dos Em Pé”, assim cognominados porque bebericavam sempre junto ao balcão, raramente sentando nas mesas de mármore do bar. Quando chegava perto do 20 de Setembro, Dudu ficava mais e mais valente, característica que crescia na proporção direta da quantidade de copos de maracujá com cachaça que bebia. Um perigo, essa mistura. Fosse hoje, diriam que era coisa da Al Qaeda. Levou gente para o além antes do tempo, mas isso já é outra história do Pelotense. Invocado como todo baixinho, aí pelo dia 10 de setembro, Dudu começava a se pilchar. Começava pela botas, que iam até os joelhos. Dias depois, vinha de bombacha, cuja idade provavelmente só pudesse ser conhecida pelo sistema de datação pelo Carbono 14. O certo é que tinha marcas da enchente de 1941. A guaiaca e coldre com lugar para um revólver, não maior que calibre 32 vinham a seguir – um 38 certamente encostaria o cano no chão. Depois vinha o lenço maragato, cujo vermelho à noite parecia furta-cor. Por fim, assomava a valentia molhada, e bem molhada pelo maracujá. Neste estágio, com olhar ligeiramente fora de foco, encarava quem estivesse no bar e então era possuído pelo espírito de 35. – Buenas que me espalho, nos pequenos dou de prancha, nos grandes dou de talho! (conclusão amanhã)

     

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  • Pelas barbas de Fidel!

    Publicado por: • 27 fev • Publicado em: A Vida como ela foi

    “…a rapariga virou-se de costas para o moribundo”

    Um grupo de cubanos resolveu arriscar a sorte e se mandar para Miami. Improvisaram um barco e se mandaram. O mais velho sofre um ataque cardíaco e pede, como último desejo, uma bandeira para se despedir da sua querida Cuba. Os outros refugiados começam a procurar em bolsas, sacolas e em todos os lugares onde pudesse estar guardada uma bandeira de Cuba. Depois de algum tempo, deram-se conta de que não havia nenhuma bandeira de Cuba no barco. Nisto, uma linda jovem de vinte anos, vendo o sofrimento do velho, disse que tinha tatuado na bunda a bandeira de Cuba e ofereceu-se para ajudar. A rapariga virou-se de costas para o moribundo, baixou as calças e mostrou a bunda com a bandeira tatuada. O velho agarrou a moça com força e beijou a bandeira, emocionado, enquanto gritava: – Mi querida Cuba, me despido con recuerdos, mi vieja Havana, mi Linda tierra! O velho continuou com beijos e mais beijos na bandeira, até que, em lágrimas, disse à moça: – Ahora vira de frente, que quiero despedirme de Fidel.

     

     

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