Um quilômetro de lembranças

29 set • A Vida como ela foiNenhum comentário em Um quilômetro de lembranças

Vocês não sabem como eu amo São Vendelino. Não passa dia sem que eu me lembre da minha infância e adolescência.

Aos meus 10 anos, meu pai se mudou para Montenegro. Mas passava as férias de verão e inverno na casa do meu tio Sireno Selbach até os 16 anos. Ele era tabelião.

Como minha memória é muito boa, posso reproduzir com detalhes as paisagens que vi e vivi . Vou caminhar da casa que nasci até a então vila, metro por metro.

Nossa casa ficava ao lado do cemitério evangélico. Um pouco adiante, ficava a venda e prensadora de alfafa do meu pai, depois vendida para o Cacildo Kerber.

Com imensa saudade recordo os pratos que minha mãe fazia e receitas que se perderam com ela. Como o dampfnudel com creme de baunilha e o schtinkkoes, queijo “cheiroso”.

Os refrigerantes eram caros, a bebida era água com xarope de groselha marca Springer. Embora católico, os pastores que vinham da Alemanha procuravam primeiro meu pai por causa da língua.

Como eram diferentes os enterros evangélicos e católicos! Nos primeiros, havia mais serenidade. Já nos católicos parecia que era o fim de tudo com desejos de um céu definitivo. 

Os banhos na represa do Forromeco, o navegar silencioso com a canoa do meu tio, minha ilha de pitangueiras, meu cachorrinho Tupy, meu querido companheiro. Como eu chorei quando ele morreu.

Eu e meu irmão Paulo ficávamos de ouvidos colados no rádio Mende ouvindo seriados da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. O som fugindo e voltando.. Rádio que levou meu pai à prisão durante a II Guerra Mundial só por ele ser alemão.

As caronas que pegava com as carroças carregadas de sacos ou alfafa. Inácio e dona Idalina Schneider, os filhos, entre eles, o Elemar e o Heron, recentemente falecido.

Iniciando a caminhada rumo ao Grupo Escolar, passo a garagem do caminhão do meu pai, mato e mato com casas ao longe. Pego o caule de funcho, bom para o estômago.

Depois, mato ou potreiros dos dois lados, algumas lavouras mais ao fundo até a casa do seu Julio Zimmer, agente do Correio. Mato e barranco de novo, a bergamoteira generosa, a garagem do ônibus do Kurt Backes, que fazia a linha São Vendelino-Porto Alegre, sua mulher Nelly, minha professora, juntamente com dona Inês, que eu sonhava namorar um dia. 

Os Schneider da vila, a igreja católica linda maravilhosa, uma das duas únicas igrejas em estilo neogótico do Estado, criminosamente demolida. A Casa Paroquial, a ponte, que meu pai ajudou a construir, o Grupo Escolar do lado oposto, que dava para o cemitério, o fotógrafo, seu Fritzen, a casa da dona Inês, a bonitona. Depois, a venda do seu Aut, mato mato até a cooperativa e além dela.   

Que saudades do Gupo Escolar, dos amigos que nunca esquecerei, da troca de merendas – eu gostava de pão preto torrado com açúcar e canela. Havia as brincadeiras no potreiro, as professoras me repreendendo por não prestar atenção. Bem, pelo menos aprendi a ler e a escrever bem, assim acho.

Posso sentir o cheiro dos jasmins, das roseiras na frente da casa do dentista Oppermann, que me fez gritar muito. De ouvir histórias dos colonos sobre os bugres em noites de lua cheia, comendo traíra e cascudo fritos, noites iluminadas pelo meu encanto e desejo de ficar ali para sempre.   

Na cozinha da nossa casa havia, em um quadro, um quadrinha em alemão que não lembro. Mas lembro da tradução. Singelas, mas poderosas palavras que ficaram para sempre na minha memória e que, não raro, levam-me às lágrimas quando as recordo.           

Dizem que lá fora há um mundo           
Mundo estranho que nunca vi           
Mas que importa o mundo lá fora            
Pois todo meu mundo está aqui.

https://www.brde.com.br/

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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