Conto O Desaparecimento dos seios

27 jul • A Vida como ela foiNenhum comentário em Conto O Desaparecimento dos seios

– Mas, doutor, quando os seios começaram a desaparecer?

No seu consultório do prédio de um quilômetro de altura, o obstetra coçou o queixo.     

– Estudos confiáveis mostram que foi no final do século XX, início do século XXI. Como toda transformação genética, mudanças levam muito tempo até serem notadas. Os médicos achavam que se devia a hábitos alimentares, algo do tipo.   

– Poluição também?     

– Também foi considerada, assim como filtros solares, e excesso de exercícios somada à ingestão desenfreada de vitaminas. Mas nada conclusivo. Nem houve redução do hormônio feminino que a justificasse.

– Quem começou a notar a redução do tamanho dos seios, das mulheres ou os personal trainers?   

– Os fabricantes de sutiãs. No início, eles achavam que era uma espécie de protesto ou moda de não usá-los. Já aconteceu nos anos 1960. E, claro, as mulheres mais observadoras. Por que as filhas e netas tinham seios cada vez menores?   

– E?   

– Demorou mais porque a indústria do silicone vendia como nunca. Então, os geneticistas levaram o assunto a sério. Depois de dezenas de anos, chegaram à conclusão que tinha a ver com implantes de silicone.   

O médico fez uma pausa,     

– De alguma forma, moléculas deste material entraram na corrente sanguínea das mulheres. Aos poucos, o corpo passou a ignorar o volume dos seios das mães com implantes. E, assim, de geração em geração, essa modificação genética se transmitiu para todas as mulheres, com ou sem implantes.

Outra coçada no queixo.   

– Veja que nós já perdemos o movimento das orelhas e estamos praticamente sem poder mexer o nariz, ao contrário dos animais. Precisávamos deles para ouvir predadores chegando e olfato direcional para sentir seu cheiro. Quando o corpo sente que parte dele não é mais usada, deixa de mantê-la, e esta parte vai atrofiando até não fazer mais sentido tê-la.

– Nossa – espantou-se o interlocutor – aconteceu só com os seios ou outras regiões podem atrofiar também?

O médico ficou em silêncio, observando o corpo da mulher do cliente, lisa como uma tábua e totalmente sem bunda.

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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