O samurai e o bombeiro

17 nov • A Vida como ela foiNenhum comentário em O samurai e o bombeiro

   Meia estrela, com viés de baixa. Era o perfil daquele hotel do Centro de Porto Alegre, que pegou fogo numa madrugada nos anos 1970. Os bombeiros chegaram logo e tiveram a ajuda de um colega que lá pernoitava. Entre os salvados do incêndio estava o Zanella, integrante da barulhenta Mesa Um do Bar Pelotense.

   Pois era este o assunto que, no dia seguinte, dominava a conversa da turma. Todos olhavam a capa da Folha da Tarde quando o salvado do sinistro adentrou o gramado, sorriso triunfante. Dedo em riste, o jornalista Robson Flores bufava.

    – Mas que papelão, hein?

   O recém-chegado não entendeu. Estava prestes a contar a história de como quase morreu embalado por uma dose dupla de uísque. Franziu a testa ao ver os  “tsk tsk tsk” na roda. Não era bem essa a recepção que esperava. Foi murchando.

     – Como assim?

     – Zanella, a gente sempre te considerou muito, mas…

     – Mas que merda é essa? Eu quase viro carvão, e vocês me vêm com enigmas em vez de brados de alegria?

   O Lelinho suspirou.

     – O bombeiro.

     – O que é que tem o bombeiro?

   O fiscal Liquinho cutucou o Souza, que cutucou o Pedruva, que quase caiu da cadeira, que devolveu a cutucada com juros e correção monetária.

     – Mas tu ainda pergunta?

  O Robson então esparramou o jornal no centro da mesa de mármore da Pelotense. Na foto da capa, via-se o Zanella abraçando – bem abraçadinho – um espadaúdo bombeiro que o levava carinhosamente para a escada Magirus. Ele dava os ares, como observou o maldoso Carlos Coelho, de uma princesinha salva do dragão da maldade lançando fogo pelas ventas. E Zanella olhava para a câmera com um olhar supostamente lânguido, como escrevem hoje nos jornais.

     – Poxa…vocês tão achando… Não, não posso acreditar! Vocês acham que eu estava de caso com o soldado do fogo? Caras, eu sou espada, ouviram bem? Espada!!!

   A bem da verdade, diga-se que Zanella era espada, muito espada, daquelas de samurai. Três doses e meia depois, o assunto simplesmente foi esquecido, e os loquazes rapazes falavam de outras coisas dentro de uma lógica de conversa de bar, que não tem lógica.

  Só que Zanella ficou mudo. Mais quieto do que anão de jardim com dor de garganta. Finalmente, rompeu o silêncio com um brado.

     – O bombeiro!

     – O que é que tem o bombeiro?

     – Que bombeirinho bem filho de uma mãe!

https://www.brde.com.br/?utm_source=fernandoalbrecht.blog.br&utm_medium=banner&utm_campaign=BRDE%2060%20Anos

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

FacebookTwitter

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

« »