Um caixão por testemunha

5 out • NotasNenhum comentário em Um caixão por testemunha

Vinte e três contos escritos por Gustavo Tadeu Alkmim, desembargador do TRT do Rio de Janeiro, recorrem a diferentes vozes para evidenciar as complexidades das relações humanas. Um deles mostra um defunto olhando-se no próprio caixão, algo que o imaginário popular também recorreu, mas como pesadelo.

Eu até acharia divertido se pudesse me ver. Mais especificamente se pudesse ver quem foi no meu enterro e com áudio dos comentários.

Mesmo o mais temeroso dos mortais fica curioso e uma multidão deve se perguntar como será o velório, quem irá e quem não aparecerá, e os comentários feitos à beira caixão. Certamente um deles seria “Mas como, só vieram esses?”.

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O meu livro predileto sobre o assunto é Memórias Póstumas de Brás Cubas, escrito pelo meu guru, Machado de Assis. O início é arrasador: não tive filhos, não deixei a ninguém o legado da minha miséria. Que porrada.

Penso que o defunto-vivo faria outras observações ante as conversas paralelas. Primeiro, os que ficam fora da capela ou sala do velório gostam de contar piadas. Outros lembram passagens engraçadas do finado, e não faltará quem diga algo da família “já foi tarde”.

Defunto enxerga além do aparente, presumo. Então, identificaria as lágrimas de crocodilo, parentes interessados no dinheiro e bens deixados, loucos para abrir o inventário ou testamento.

https://cnabrasil.org.br/senar

E, claro, amigos insuspeitados que realmente sentiram sua morte. Sem medo de errar, digo que a grande maioria gostaria de alterar o testamento. Na época, parecia uma boa ideia ratear a bijuja como o testamenteiro grafou.

Ha ha, essa é boa!

Talvez o falecido testemunha de si mesmo divirta-se com os comentários e até vá rir das piadas. Eis que nesse mundo novo não há espaço para desgraceiras como este. Ou haverá?

Como escreveu Millôr Fernandes, e se tiver outro mundo e for pior que este? Nunca saberemos, a não ser que houvesse um link do além para saber como é a bronca do outro lado e se ele realmente existe.

Particularmente, penso que, se existir outro mundo, vamos querer distância dele.

Casamentos dente de leite

Vi em shopping um casalzinho bem jovem, com alinças na mão esquerda. E quando digo jovem, é jovem mesmo. Ele aparentava ter 15/16 anos e ela, 12. Seguramente não mais que 13 anos. Bem, dados do SUS indicam que em torno de 40% das gestantes têm 15 anos ou menos. Dizer o quê?

Conversa no ônibus

Mulher, negra, entre 35 e 40 anos, corpo gasto e faces rudes. Obviamente na base da pirâmide social. Alguém liga e ela atende. Pelo papo, é uma amiga. 

– Pois é, como ele não atendia minhas ligações, cheguei nele e falei olha, se não quer falar comigo pessoalmente não precisa nem atender minha ligação…. Tu sabe como eu sou… Sim, sim, larguei ele de mão… Sabe que não quero mais nada com ele. Tive muito sofrimento…. Claro, conheci um cara muito interessante no ônibus, muito na dele, sabe, como eu também sou… Não quero mais desilusão… Ele é um cara interessante e temos saído… Claro, vamos ver no que dá. Por enquanto, não tamo morando junto. Ele não quer e eu dou força… É cedo, sabe cumé… Não, não vou me afobar. Mas estou gostando… Certo, a gente se vê no teu aniversário. Beijo.

Desligou o celular, guardou na bolsa e ficou olhando pela janela pessoas, casas e carros passando por sua vida.

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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