A noite dos esparadrapos esvoaçantes

5 jul • A Vida como ela foiNenhum comentário em A noite dos esparadrapos esvoaçantes

  A praça São Sebastião de Porto Alegre foi e é um dos meus lugares preferidos. Ela e seu entorno foram palco de muita história. As estátuas  que representam os afluentes do Guaíba ficavam lá, hoje estão na Hidráulica Moinhos de Vento.

Pois certa noite dos anos 1960, um amigo e sua namorada, uma doutora, mais sua bela irmã – aquela voz rouca, meu Deus! – fomos ao Bar Líder, na esquina da Independência com Barros Cassal, comer um lombo de porco à milanesa com salada de batata com maionese, um milagre divino.

Voz Rouca não estava lá muito a fim nem do lombo nem de mim. Quando as levamos para casa, passamos pelas estátuas que representavam o Rio Caí. Ela tinha os lábios entreabertos e coloquei neles um cigarro aceso.

Rapaz, a Voz Rouca desandou a rir que não parava mais ao ver a estátua fumante. Foi então que caiu o meu muro de Berlim. Finalmente, o cigarro fez bem para alguma coisa.   

O cachorro- quente do Rosário nasceu em frente ao colégio, na segunda metade dos anos 1950. A mesada era mais curta que coice de porco, então quando sobrava um dinheirinho me atracava no que considero um dos três melhores lanches do mundo, o cachorro-quente do Rosário.

Nada daquela paçoca que leva até bolota de cinamomo tem a simpatia das minhas gustativas. Pessoalmente, considero essa mistura como um atentado. O do Rosário tinha um cacetinho crocante, salsicha boa, molho simples de tomate e cebola.

Na primeira mordida, acreditava-se que Deus não só existia como gosta de comer. Hoje, temos o da Confeitaria Princesa, na subida da Rua da Praia, mas com outro pão. Igual, é muito bom.   

Do outro lado, fica a Igreja da Conceição, onde me casei décadas depois. Mas não com Voz Rouca. Horas horas antes do casório, aprendi a dar nó em gravata graças ao meu amigo Paulo Roberto Grecco Soares, sobrinho do famoso Odone Grecco. Levantou minha autoestima. Finalmente eu não era mais um desgravatado. 

Do lado dela, a Beneficência Portuguesa, onde um famoso radialista certa vez passou maus bocados. Internado para uma cirurgia para “raspar” a carótida entupida, foi posto em um quarto junto com outra vítima do bisturi, em caso bem mais delicado que o dele.

Certa madrugada, o pobre vizinho  começou a gritar de dor. E o doutor não vinha e não vinha. Apavorado, o radialista saiu correndo do quarto, atravessou os corredores desertos e se planchou no meio da avenida Independência, deserta a essa altura, fazendo sinais frenéticos para um taxista. O cara demorou a parar, e depois que o fez explicou a demora.     

– Doutor, desculpa, mas achei que o senhor era um louco fugido do Hospício São Pedro.    

Foi só aí que ele se deu conta que vestia só o camisolão típico de operado, com toda retaguarda desnuda e com esparadrapo ao vento nos braços e na nuca, fruto da arrancada a 100 por hora do leito.


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Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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