A história do mico em dobro

27 jan • NotasNenhum comentário em A história do mico em dobro

Há muitos anos, um executivo teve que se deslocar de Porto Alegre para a filial Novo Hamburgo da sua empresa. Era uma sexta-feira muito quente, não iria voltar para o escritório, então dispensou paletó, gravata e carro.

Vestiu uma calça Lee, o jeans da época, uma espécie de tênis de pobre chamado Maria Mole, e uma camisa sem bolso tirada do baú da juventude. Passava do meio-dia quando pegou o ônibus direto para a cidade onde havia tirado o ensino médio, Curso Científico na época.   

Como seria viagem vapt-vupt, botou no bolso só a identidade e algum dinheiro para táxi e passagem. Da rodoviária foi de táxi à filial, fez o que tinha que fazer e voltou de táxi para o centro da cidade.

Mais tarde lembrou-se que algo o incomodava, algo não estava bem certo. Antes de voltar, resolveu tomar uns chopes numa mesinha na rua do bar. Quando quis pagar a despesa, entrou em pânico. O último dinheiro fora para pagar o táxi. E agora? 

Tentou manter a calma. Como tinha feito muitas amizades, quem sabe alguém passaria em frente. Deu sorte. Um colega de colégio parou à sua frente.

Abordou-o com legítima alegria, no que foi correspondido. Trocaram lembranças dos velhos tempos e coisa e tal. Lá pelas tantas, contou a história de estar sem dinheiro. Poderia a amizade pagar a conta? O outro entristeceu o olhar.          

– Meu pobre amigo, agora me deixaste muito triste. Para uns, a vida deu certo, vejo que para ti ela deu errado. 

Tirou uma nota que seria de R$ 100,00, colocou-a discretamente na mão do ex-colega. Estupefato, o executivo quis corrigir o engano, não era nada disso, ele estava muito bem financeiramente, não era nada disso peloamordedeus, fora apenas distração.

Quanto mais ele explicava, mais o amigo se convencia  do oposto. Chamou o garçom e pagou os chopes. Despediu-se com os olhos marejados de lágrimas. Caminhou alguns metros e se voltou para o desastrado explicante.         

– Mas não vai gastar tudo em bebida!                                                         

x-x-x

Décadas mais tarde, no tempo presente, o executivo calhou de encontrar o amigo que há muito não via em uma cafeteria de Porto Alegre. Abraçaram-se, beijaram-se entre risadas, como você vai e coisa e tal.

Quando o amigo perguntou se ele estava bem de vida, o executivo lembrou da história de Novo Hamburgo e a contou. Terminado o relato, olhou-o fixamente por algum tempo. Depois tirou duas notas de R$ 50,00 e as colocou discretamente embaixo da xícara de cafezinho do estupefato amigão. Antes de ir embora, deu o recado.         

– Entendi. Mas não gasta tudo em bebida!

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Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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