O senhor distinto (parte 1)
Um senhor distinto entra na repartição pública. Chama atenção de um funcionário graduado, também distinto, que faz questão de atendê-lo.
– Pois não?
O senhor distinto tira o lencinho da mesma estampa da gravata do bolso superior do paletó. Discretamente, enxuga o suor da testa.
– Eu queria pegar uma negativa que já solicitei. Só que esqueci o número do protocolo.
– Sem problema. Qual seu nome?
– Arnesto….
Julgando não ter entendido direito, o funcionário o atalhou
– O senhor quis dizer Ernesto, claro.
Uma sobra de aborrecimento vagueou pelo olhar do homem distinto.
– Se eu falei Arnesto é porque eu tenho certeza. A não ser que o senhor queira perguntar para meu pai, ou o tabelião que me registrou porque botaram A em vez de E. Pena que ambos estejam mortos.
Incomodado com a reação do senhor distinto, o funcionário que também era um senhor distinto resolveu fazer uma operação padrão
– Se assim é, só Deus sabe o motivo desse seu A em vez do correto E, seu…seu Arnesto.
– Doutor Arnesto, vamos se respeitar.
Deixando a distinção de lado, pelo menos internamente, pensou “mas que doutorzinho de merda. E com esse nome…”
– Mas antes do senhor me dizer seu sobrenome, preciso perguntar o número do protocolo. E moveu a cabeça em direção à cabeça do senhor distinto. São as regras.
– Regras burras, devo dizer. Talvez redigidas por alguém como o senhor.
(CONCLUI AMANHÃ)