Um santo helicóptero

13 set • A Vida como ela foiNenhum comentário em Um santo helicóptero

De São Vendelino diz- se que ele conseguia pairar no ar. Do município São Vendelino pode-se dizer que ele paira em cima dos outros municípios em matéria de qualidade de vida. 

Modestamente, foi na então Vila que eu nasci e morei até os 10 anos. Com direito a voltar lá nas férias de julho e fevereiro, até os 16 anos, na casa do meu tio Sireno Selbach.     

Foi lá que vivi os melhores e mais felizes anos da minha vida. Meu arroio Forromeco com banhos inesquecíveis e navegações com um modesto caíque, a “venda” do meu pai com seu caminhão, a prensa de alfafa. Meus irmãos, meus tios Sireno e Ermelina Selbach, primos, o moinho colonial, o Grupo Escolar, meus queridos amigos alguns falecidos, o vizinho Inácio” Notz” Schneider, que tantas risadas me arrancou.

A caminhada de 1 Km de casa até o Grupo Escolar em dias de frio e chuva, a represa artesanal que hoje não existe mais, minha ilha particular cheia de pitangueiras, noites de comer traíra à milanesa, ouvir novelas policiais em ondas curtas da Rádio Tupi e Nacional, do Rio de Janeiro, com pano de fundo o chiado e o crepitar  da lenha queimando no fogão.

Minha mãe fazendo gemada à qual eu acrescentava baunilha, as histórias contadas pelos mais antigos de como era difícil viver enfrentando índios e as forças da natureza. O deslumbramento quando vi o primeiro avião voando baixo, meu pai comendo ovos crus furando as extremidades com canivete, o cheiro de gasolina misturada com poeira dos raros carros que passavam, a abertura da ópera O Guarani, de Carlos Gomes, anunciando a Voz do Brasil.

As amoras fartas e doces colhidas em canecas, a cereja roxa e preta,  o mugir das vacas de leite, a carona com carretas de boi, cheiros de milho, alfafa e moranguinhos, a chegada de primos de Porto Alegre. O perfume de alfazema da minha mãe, e o rosto com barba por fazer do meu pai que eu beijava antes de dormir.

A chegada do ônibus do seu Kurt Backes que vinha de Porto Alegre trazendo o Correio do Povo e pão branco, a schmier de cana de açúcar com kessschmier, o torresmo quentinho no dia do abate do porco, a bexiga dele transformada em balão, luz da lâmpada Aladim, minha mãe queimando palmas secas em noite de temporal para atrair proteção de Deus. O rodar do pneu velho com as mãos  pela estrada de chão batido, as poças de água congelada nos invernos, e a minha bicicleta, minha Rosebud como no filme Cidadão Kane.    

Tudo morreu. Menos minha enorme e triste saudade.

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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