Um cachorro na noite

20 nov • A Vida como ela foiNenhum comentário em Um cachorro na noite

É engraçado. Em todas as histórias sobre os bares e restaurantes da Porto Alegre dos velhos tempos, não aparece o Graxaim. Nem mesmo lembro dele com nitidez E até no nome fico na dúvida se era Guaraxaim ou Graxaim.

E deveria, porque ele ficava no Mercado Público ao lado do famoso Treviso. Lembro apenas que o nome estava numa daquelas antigas placas esmaltadas.

Nem mesmo me recordo se funcionava de madrugada como seu vizinho, que fiasco! Pior é que você não acha quem diga “Sim, eu frequentava o Graxaim”. Então não sabe o perfil da freguesia, mas ao que eu lembre era o Treviso do B.

Outro local misterioso era o Poodle Room, um night club pequeno. Não era para o meu bico, não tinha bala na agulha.

Quem vem do bairro para o Centro Histórico pela rua Cristóvão Colombo, o Poodle Room ficava à esquerda, no final do complexo da Brahma, hoje Shopping Total. Uma construção antiga e pequena, não no nível da rua. A ironia é uma casa com nome de raça de cachorro ser habitado por gatas.

Quantas e quantas vezes eu quedava no bar Monte Blanco, localizado  em frente, suspirando e imaginando como seria bom estar em ambiente à meia-luz, música discreta, cadeiras acolchoadas e formosas mulheres classudas com joias de verdade, perfume francês esvoaçando pelo ar. Coisa para granfino, justamente o que eu não era.

Enquanto sonhava no Monte Blanco, lá vinha uma percanta quebrar o encanto.

– Paga uma Cuba, benhê?

Dependendo da minha conta corrente, até sentaria com uma mulher que gostava de rum com Coca Cola. Mas não com a versão proletária, o Samba, cachaça com Coca.

Como dizia o parachoque de caminhão: Pra que orgulho se a terra come? Entrementes, o Blanquito me olhava com ar de pena.

– Alemãozinho, esquece. Não é pro teu bico.

O que mais poderia fazer um bancário pelado, contando as passagens de bonde, comendo (mal) na pensão da velha Eda. E sem dinheiro até para uma refeição decente, salvo quando recebia o salário, dia 28?

Então eu ia para distritos eróticos alternativos. Mas democráticos e benemerentes conforme as circunstâncias. Entretanto, eu queria mesmo era entrar no Poodle Room.

Então passei a entender porque cachorro de rua ficava na calçada olhando as assadeiras de frango girando atrás de um vidro grosso e impenetrável.

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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