Tarrafas de memória
– Eles me chamam de olho grande.
Foi assim que o engraxate da Praça da Alfândega respondeu à minha pergunta. Sentei na cadeira e estranhei que só aquele velho lobo solitário estivesse a postos. As cadeiras ao lado estavam vazias e com correntes prendendo os bens furtáveis, digamos assim.
– A turma está de férias coletivas.
Assim o profissional do brilho respondeu a outro questionamento meu, o motivo da folga geral na segunda-feira. Não havia nenhuma tentativa de fazer graça com a informação. Ele falou sério e com um ar compenetrado de quem nunca falta ao serviço e se incomoda com a gazeta alheia.
Quando o povão gosta de alguma expressão, costuma utilizá-la em ocasiões que requerem um ar solene. Torna-o doutô. Já contei aqui o caso do meu amigo falecido Gil Villeroy, que desceu do seu prédio no bairro Petrópolis para sacar uma grana na agência da Caixa no térreo e encontrou as portas fechadas.
– É que o pessoal está a nível de greve – explicou o vigilante, provavelmente após ouvir horas de arenga cutista.
Neste preciso momento, o atendente da cafeteria pergunta se eu sei como dobrar o preço de venda de um Fiat 147. Eu não sabia.
– Enche o tanque.
Não dá para ser feliz desse jeito. Para retomar o causo, eu teria que lançar de novo tarrafas de memória. Como dizia, lá bem no passado, o mecânico da Oficina do Oreste na beira da Tabaí Canoas quando alguém interrompia seu fluxo verborrágico.
– Me quebraram as articulação da oralidade.
Até hoje eu fico na dúvida se o nome correto da casa era Orestes ou Oreste mesmo. Questão de oralidade.