Sobre tomates e apitos

4 set • A Vida como ela foiNenhum comentário em Sobre tomates e apitos

As nossas lembranças são como o caleidoscópio, que, ao virar, muda de desenhos. Ou então, para entrar na moda do orgânico, são como um sopão de legumes, que ao ser fervido revolve ingredientes do fundo para cima e vice-versa.

Pois ontem tomei um sopão e me veio o som nítido, alto e claro, do apito do trem em Montenegro. Morei lá nos anos 1950 até o início dos 60. E uma das casas em que morávamos ficava na parte alta da cidade. Rua Cel Antônio Inácio 302, jamais esquecerei.

Eu cursava o ginásio, hoje ensino médio. Tirando os temores adolescentes, eu era feliz.

A mãe cultivava uma bela horta. Eu adorava molhar as plantas à tardinha. E regava com mangueira. Cheiro de terra molhada (geosmina) é um dos cheiros mais lembrados de todo mundo.

Comia tomate no pé, bastava esfregar na manga da camisa para tirar o pó. A imagem persiste até hoje. Tomateiro na esquerda, uma bananeira no fundo, temperos na direita. Em ambos os lados cerca de bambu, chuchu pendurado à reveria.

O meu quarto era pequeno, a janela ficava perto da cama. Tinha vista direta para o lado da cidade em que ficava a Estação Ferroviária. De manhã bem cedo, quem me acordava era o apito do trem a vapor que saía da gare e rumava para Bento e Caxias do Sul; e, na volta, rumava Porto Alegre.

Como me lembro desse apito. O trem sumiu, mas pelo menos o apito ficou na minha lembrança. Ouço-o ainda hoje, a hora que eu quiser.

No início dos anos 1950, o Rio Grande do Sul tinha uma estatal ferroviária, a Viação Férrea RGS. A VFRGS importou os luxuosos trens Minuanos diesel, com vagões Pullman, símbolo de conforto em todo mundo.

Nesta época, um dos engenheiros alemães era sobrinho do meu pai. Se encontraram para almoço, e o pai perguntou o que ele achava do sistema ferroviário brasileiro. O alemão respondeu sem ironia.

– A Alemanha estava assim em maio de 1945.

Foi o ano e mês da derrota da Alemanha na II Guerra Mundial. Hoje, o Brasil não tem trens nem rodovias decentes.  

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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