Saudade
São Vendelino abriu o tradicional Kerbfest. Foi lá que eu nasci, e até hoje não passo um só dia sem lembrar da minha infância e adolescência.
Saudades dos meus pais e irmãos, do meu cachorrinho fox Tupi, do arroio Forromeco, dos primos, amigos, das paisagens que já se foram e não voltam mais. Daquele dia em que estava olhando para um dos morros e percebi, espantado, que o som de um homem rachando lenha só chegava aos meus ouvidos depois da machadada, meu batismo em Mach 1 e velocidade do som.
Eu deveria ter seis anos, quando muito. A cena está tão nítida na minha cabeça que sinto até o cheiro do pão de milho que a empregada Rosa assava no forno à lenha neste preciso momento.
Engraçado, meu amigo Proust, ainda vejo a cena, a hora, meio da tarde. Mas não lembro da cara da Rosa, só que ela era grande – e quem não era grande para nós pequenos? – e ruiva.
Plantei uma pitangueira em um grande vaso na sacada do meu apartamento. Eu acaricio seu magro tronco quando saio de manhã cedo. Ela já foi carregadinha de pitangas, mas o vento as derruba antes que fiquem bem maduras, pretas. Então eu as como assim mesmo, e imediatamente sou transportado para minha ilha particular.
De uma represa artesanal, que não existe mais, saía um canal que alimentava o moinho colonial distante uns bons 500 metros – para mim eram 500 quilômetros de pura fantasia. Em um trecho, o curso da água criou uma pequena ilha, um pedaço cheio de pitangueiras, um frescor só no verão.
Fiz uma ponte com tábuas e me refugiava na minha ilha do Tesouro, não sem antes tirar a tábua. Meu lebensraum, meu espaço vital.
Se tiver mesmo outra vida e eu tiver acesso a ela, é para a minha pequena ilha que quero passar a eternidade, naqueles poucos metros cheios de pitangueiras e felicidade, que me alegram e me doem ao mesmo tempo quando deles me lembro. A minha Rosebud, a Rosebud do ator e diretor Orson Wells no filme.