Porto Alegre foi demais
Aos 249 anos de idade, comemorados hoje, minha eterna namorada ainda guarda parte da beleza que irradiava quando nos conhecemos. O progresso a qualquer custo lhe fez muito mal. Quando ela teve que fazer plástica, pegou cirurgiões bons e outros muito ruins. O coração dela, o Centro, cercado de más companhias autorizadas por gente ruim de bisturi.
Tivemos bons momentos eu e ela. Namorávamos sem medo de assaltos, bebíamos chope e comíamos bem, e barato, nos bar-chopes. Na madrugada, ela permitia que eu fosse para casa em segurança.
Nos bailes e boates rodopiávamos, na Rua da Praia, ríamos com as piadas novas. Curtíamos o som da velha guarda da MPB no bar Adelaide’s. Vez por outra, eu a traía com namoradas fugazes. Ela não era ciumenta. Dizia que eu podia aprontar desde que não a deixasse. Eu jurava que não.
Estou com ela até hoje. Dói ver suas cicatrizes, o rosto precocemente envelhecido, o humor inconstante, mas eu a entendo. Passou maus bocados, faz dois anos que ela não pode sequer assoprar as velinhas do bolo de aniversário por causa da peste que a desfalece e a entristece. Querem coisa pior que isso, ver negada a pouca alegria que lhe resta?
De noite, quando sonho acordado, abraçamo-nos e cochichamos lembrando os tempos em que éramos mais jovens e nossos sonhos ainda se realizavam. Então, durante as noites de insônia, abro a janela e, da sacada, choramos os tempos em que o futuro ainda era possível e a desesperança era menor que a esperança.
Com a cumplicidade da noite, nós três choramos silenciosamente. Quase todas nossas lágrimas já foram vertidas, substituídas pela enorme saudade do que já fomos.