• Nós temos duas vidas. A segunda começa quando descobrimos que só temos uma.

    • Confúcio •

  • Sacanagem muda

    Publicado por: • 3 set • Publicado em: A Vida como ela foi

    Montenegro, cidade em que morei da adolescência até meus 20 e poucos anos, tinha dois cinemas: o Goio-en (palavra indígena) e depois o Tanópolis, devido à riqueza da cidade, a produção de tanino a partir da casca da acácia-negra. Foi no Goio-en que vi meu primeiro desenho animado nos matinais de domingo de manhã, 1950, e depois no matiné, às 14h. Havia ainda a sessão vesperal, geralmente às 16h; à noite, a primeira e a segunda sessão. Tinha também a sessão da meia-noite, que conto abaixo. Era barra pesada.

    O Tanópolis surgiu pouco antes de fechar o Goio-en. Era maior, poltronas estofadas e não de “pau duro”, a piada pronta da época. A tela era grande para suportar filmes em cinemascope, a novidade mundial que surgia. O dono era o mesmo, Carlos Gustavo Jahn Filho. Ficamos deslumbrados com o 10 Mandamentos, com três horas de duração, que exigia um intervalo para rebobinar o filme e colocar a parte final.

    No Goio-em exibia-se de vez em quando filmetes com colagens de curtas mudas de sexo explícito do tempo do cinema mudo. Não havia propaganda nem cartazes, o dia era sussurrado de boca a boca, Deus m’o livre se as pudicas senhoras e esposas soubessem. Desconfio que sabiam, não há segredo em cidade pequena. E nós, “de menor”, ficávamos desolados sem a mínima chance de ver os “filmes de sacanagem”.

    No dia em que completei 18 anos, casualmente houve uma sessão da meia-noite no Goio-en. Foi com que orgulho que esfreguei minha identidade na cara do porteiro, de sobrenome Panitz, que me deixou entrar meio a contragosto. Peguei no sono madrugada alta. Só adormeci depois de um certo esforço físico autoinfligido.

    Imagem: Freepik

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  • Teoria dos fractais

    Publicado por: • 3 set • Publicado em: Caso do Dia, Notas

    Havia um tema recorrente nas histórias de quadrinhos cujas imagens mostram castelos da Idade Média com seus guardas das madrugadas nas amuradas em que eles dizem “é meia-noite e por enquanto nada de novo”. Pois vivemos algo assim neste Brasil de hoje. O que acontece é o de sempre, nenhuma novidade do front. Bolsonaro cai mais ainda na aprovação, o Congresso fica em ritmo de rame-rame das reformas e assim por diante. Na prática, é a teoria dos Fractais.

    DE OLHO NA ÁRVORE

    Desde que a teoria apareceu, a melhor analogia ainda é com uma árvore, seu tronco especificamente. Você olha de perto e a casca está cheia de altos e baixos, parecendo que é obra malfeita da natureza. Imprecisa a tal ponto que dá a ideia de quem a começou não tinha projeto e nem sabia o que queria. Pois é precisamente o contrário.

    ESQUEÇA O PERTO

    Tomando certa distância, observa-se o contrário, o tronco é uma obra precisa e quem o criou sabia muito bem o que queria. Esquecidas as minúcias, o tronco de um vegetal é uma obra perfeita. E neste ponto que a história brasileira e a árvore deixam de ter algo em comum. O Brasil sim é coisa imperfeita e, ao longo da sua história, nunca soube onde queria chegar, salvo no tempo do Império, por incrível que pareça.

    A MONTANHA RUSSA

    Pois voamos sentados em uma, voando dentro de trilhos em altos e baixos que, ao fim e ao cabo, voltam ao ponto de partida. Perplexos, nos perguntamos o que deu errado na viagem. Quem deu errado fomos nós. Nunca soubemos escolher operadores que dessem tenência aos sucessivos governos pelo simples fato que nós, a famosa sociedade, também não a temos.

    ENGOLIDORES DE RABOS

    Viramos cobras que engolem o próprio rabo. E novamente perplexos, como se fosse um ciclo, perguntamo-nos porque diabos não damos certo. Ah, é culpa do povo. A revelação é dolorosa: NÓS, eu e você também somos o povo. Então cá estamos nós sem eira nem beira.

    CINEMA DE TRIBO

    Em conversa com amigos, na tarde de domingo, falamos sobre cinema brasileiro e sua incapacidade de se sustentar pelas próprias pernas, quando um deles falou que ”o cinema brasileiro não tem muito a dizer no momento”. Pode ser, mas é por causa de vício de origem. Não conseguimos realmente atrair grande público. É de tribo para tribo.

    ESTÉTICA DA POBREZA

    O cinema nacional teve seus momentos aqui e acolá, certo, mas ficou mais de olho na ideologia e nos dramas sociais. Veio o oposto, com as chanchadas dos anos 1950, mas que, pelo menos, enchiam as salas com suas comédias bobinhas mas que faziam rir. Então, vieram os anos 1960 e apareceu uma exceção, o cineasta Domingos de Oliveira, que nem brasileiro era, com Leila Diniz e Todas as Mulheres do Mundo, uma comédia urbana que fez enorme sucesso.

    TRILHA PERDIDA

    Quando parecia que tínhamos um, veio Glauber Rocha e sua estética da pobreza. Sucesso de crítica, mas nunca de público. Filmes cabeça a soldo de uma tal de revolução. Aliás, Domingos de Oliveira foi considerado maldito porque não entrou nessa onda. Com auxílio do Governo, sempre ele, criamos as pornochanchadas e chegamos a hoje sem sair do buraco em que nós mesmo nos enterramos. Nós que eu digo são eles.

    HERANÇA NODESTINA

    Os filmes que hoje revelam roteiristas talentosos – pois é desse ofício que falamos – vem do Nordeste. Ganhamos a atenção nacional com um filme sobre o nordeste, aliás, Lampião o Rei do Cangaço. Aí vem a ironia história: a região mais pobre do país é a que escapa da mediocridade.

    EXCEÇÕES DA REGRA

    Algumas séries e minisséries. A Globo produziu uma de primeira grandeza, Agosto. Mas isso foi no tempo em que bundas em rebolado e peitos com hectolitros de silicone não eram terreno fértil para o merchandising.

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  • Qualquer esforço para agarrar um objeto em queda provoca mais destruição do que se o deixássemos cair naturalmente.

    • Lei da Queda Livre •

  • De volta à máquina de escrever

    Publicado por: • 2 set • Publicado em: A Vida como ela foi

    nota expoO jornalista Carlos Bastos e o empresário Jayme Sirotsky (de pé, do lado direito) organizaram um almoço na Churrascaria Santo Antônio para os jornalistas d’antanho. Foi um belo encontro, com depoimentos emocionados dos velhos tempos.

    O jornalista Nilson Souza providenciou até máquinas de escrever para quem quisesse catar milho, termo usado para os dedógrafos, que usavam só dois dedos – eu uso só dois até hoje, com raras convocações dos polegares.

    Não faz muito, uma colega assessora de imprensa contou que um estagiário disse a ela que agora sim acreditava em máquina de escrever, porque tinha visto uma. Essa e outras histórias salpicavam as carnes macias do estabelecimento do Jorge Aita.

    Dentro da máxima “perco o amigo mas não perco a piada” – brincadeira – no fim do lauto banquete patrocinado pelo Jayme, disse ao Carlos Bastos que realmente os tempos eram outros. Nas décadas passadas, as socialites ocupavam o seu tempo ocioso participando de benemerências, como Liga de Combate ao Câncer e outras do mesmo jaez. Hoje, falei, gente como o Bastos se dedica à Liga da Terceira Idade.

    De certa forma, também é benemerência.

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