Os ébrios

29 jun • A Vida como ela foiNenhum comentário em Os ébrios

Não há cidade que não tenha histórias sobre seus ébrios contumazes, e o amigo de adolescência Ernesto Arno Lauer conta poucas e boas sobre figuras folclóricas da cidade. Ao ler o texto, lembrei de imediato algumas dessas figuras, em especial o apelido do presídio da cidade, o Boi Preto, no porão do prédio onde ficavam os estúdios da Rádio Montenegro ZYY-8, em frente à Prefeitura Municipal.

Publicada no Jornal O Progresso

Aos sete anos de idade, comecei a frequentar o curso primário no Grupo Escolar 14 de Julho (data alusiva à promulgação da 1ª Constituição Republicana do Rio Grande do Sul). Diariamente caminhava de casa ao colégio, às vezes com um colega e outras sozinho, assim como retornava. Não havia nenhum perigo ao longo do trajeto.

Em qualquer cidade, ao tempo dos anos 50 do século passado, aos vadios e ébrios contumazes, a Autoridade Policial oferecia a oportunidade de buscar serviço e parar de beber dentro do prazo de 30 dias. Vencido o prazo e tudo continuando como dantes, os moços eram conduzidos diretamente ao “boi-preto” da Cadeia Municipal.

Tradicionais frequentadores, o que vale dizer irrecuperáveis, eram o “Verão”, “Dico” e “Cabeleira”. As estórias e histórias do Cabeleira – de batismo João Ignácio dos Santos – são por demais conhecidas dos montenegrinos.

Recentemente, o Chiquinho contou uma boa. O Cabeleira foi num armazém, entrou e pegou uma garrafa de cachaça deixando uma vazia no lugar. O dono reclamou e disse que ia mandar prendê-lo. Resposta: – Eu não roubei, só troquei. E foi embora, deixando o bodegueiro sem ação.

O Verão e o Dico, além de vadios eram ébrios – daqueles de um porre só: o dia todo; começavam pela manhã e terminavam ao avançar da noite. Eles tinham uma vantagem: eram cantores. Cantavam em dueto, numa desafinação de dar gosto; conheciam todas as cantorias da época.

Verão e Dico eram reincidentes persistentes e obstinados. Quando enquadrados na Lei das Contravenções Penais, pegavam de um a dois meses de resguardo na Cadeia localizada no porão do prédio fronteiro ao Palácio Rio Branco. Pediam para ficar numa das duas primeiras celas. Ambas davam para a calçada.

De repente começavam a cantar; os passantes ouviam o mavioso canto (?), abaixavam para olhar através das grades e se deparavam com os dois versejadores musicais. Ao enxergarem o curioso, paravam a cantoria e pediam-lhe um cigarro. Alguns se apiedavam, desciam até o Café Central e compravam maços de cigarro e lhes entregavam por entre as grades.

A pronta ação das nossas polícias, especialmente a dupla de Pedro & Paulo, sempre presentes nos passeios públicos, a tudo observando, oferecia grande segurança aos transeuntes. Após o anoitecer, enveredando madrugada adentro, não era diferente. Podia-se caminhar, sozinho, pela cidade, sem enfrentar qualquer susto.

O único perigo eram os bêbados, que andavam ao léu, em busca da sua casa ou condução. Mas era só cortar caminho, indo para a outra calçada, que nada acontecia. A tal da cachaça não é saber tomar; é saber parar. Muitos não sabem, circulam embriagados pelas ruas e estradas. O perigo são os que estão na fase do leão; afastem-se deles, por agressivos.

Num sábado de noite, depois do cinema, compramos uma carne no Café Central, e fomos até a casa do Tamir para assar e comer. Já subindo a lomba da Osvaldo Aranha, encontramos o Jardelino, empregado na Linha de Leite do Ivo e Hugo Orth. Ao anoitecer, o Jardelino começava a beber; estava meio “floriado”, e o Tamir resolveu pedir-lhe fogo, para acender o cigarro.

Ele não o reconheceu; quando Tamir pediu fogo, foi agarrado pelo colarinho e Jardelino, brabo, gritou: – “Quem é palhaço”?

Imediatamente acudimos e acalmamos o moço. De fogo para palhaço, a diferença é gritante, fruto do trago.

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Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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