Os ébrios
Não há cidade que não tenha histórias sobre seus ébrios contumazes, e o amigo de adolescência Ernesto Arno Lauer conta poucas e boas sobre figuras folclóricas da cidade. Ao ler o texto, lembrei de imediato algumas dessas figuras, em especial o apelido do presídio da cidade, o Boi Preto, no porão do prédio onde ficavam os estúdios da Rádio Montenegro ZYY-8, em frente à Prefeitura Municipal.
Publicada no Jornal O Progresso
Aos sete anos de idade, comecei a frequentar o curso primário no Grupo Escolar 14 de Julho (data alusiva à promulgação da 1ª Constituição Republicana do Rio Grande do Sul). Diariamente caminhava de casa ao colégio, às vezes com um colega e outras sozinho, assim como retornava. Não havia nenhum perigo ao longo do trajeto.
Em qualquer cidade, ao tempo dos anos 50 do século passado, aos vadios e ébrios contumazes, a Autoridade Policial oferecia a oportunidade de buscar serviço e parar de beber dentro do prazo de 30 dias. Vencido o prazo e tudo continuando como dantes, os moços eram conduzidos diretamente ao “boi-preto” da Cadeia Municipal.
Tradicionais frequentadores, o que vale dizer irrecuperáveis, eram o “Verão”, “Dico” e “Cabeleira”. As estórias e histórias do Cabeleira – de batismo João Ignácio dos Santos – são por demais conhecidas dos montenegrinos.
Recentemente, o Chiquinho contou uma boa. O Cabeleira foi num armazém, entrou e pegou uma garrafa de cachaça deixando uma vazia no lugar. O dono reclamou e disse que ia mandar prendê-lo. Resposta: – Eu não roubei, só troquei. E foi embora, deixando o bodegueiro sem ação.
O Verão e o Dico, além de vadios eram ébrios – daqueles de um porre só: o dia todo; começavam pela manhã e terminavam ao avançar da noite. Eles tinham uma vantagem: eram cantores. Cantavam em dueto, numa desafinação de dar gosto; conheciam todas as cantorias da época.
Verão e Dico eram reincidentes persistentes e obstinados. Quando enquadrados na Lei das Contravenções Penais, pegavam de um a dois meses de resguardo na Cadeia localizada no porão do prédio fronteiro ao Palácio Rio Branco. Pediam para ficar numa das duas primeiras celas. Ambas davam para a calçada.
De repente começavam a cantar; os passantes ouviam o mavioso canto (?), abaixavam para olhar através das grades e se deparavam com os dois versejadores musicais. Ao enxergarem o curioso, paravam a cantoria e pediam-lhe um cigarro. Alguns se apiedavam, desciam até o Café Central e compravam maços de cigarro e lhes entregavam por entre as grades.
A pronta ação das nossas polícias, especialmente a dupla de Pedro & Paulo, sempre presentes nos passeios públicos, a tudo observando, oferecia grande segurança aos transeuntes. Após o anoitecer, enveredando madrugada adentro, não era diferente. Podia-se caminhar, sozinho, pela cidade, sem enfrentar qualquer susto.
O único perigo eram os bêbados, que andavam ao léu, em busca da sua casa ou condução. Mas era só cortar caminho, indo para a outra calçada, que nada acontecia. A tal da cachaça não é saber tomar; é saber parar. Muitos não sabem, circulam embriagados pelas ruas e estradas. O perigo são os que estão na fase do leão; afastem-se deles, por agressivos.
Num sábado de noite, depois do cinema, compramos uma carne no Café Central, e fomos até a casa do Tamir para assar e comer. Já subindo a lomba da Osvaldo Aranha, encontramos o Jardelino, empregado na Linha de Leite do Ivo e Hugo Orth. Ao anoitecer, o Jardelino começava a beber; estava meio “floriado”, e o Tamir resolveu pedir-lhe fogo, para acender o cigarro.
Ele não o reconheceu; quando Tamir pediu fogo, foi agarrado pelo colarinho e Jardelino, brabo, gritou: – “Quem é palhaço”?
Imediatamente acudimos e acalmamos o moço. De fogo para palhaço, a diferença é gritante, fruto do trago.