O sorvete americano (final)
Na primeira parte, contei como eu olhava de longe uma namoradinha cuja família alugava uma cabana no Hotel Gaúcho, de Tramandaí. O nome dela aflora de vez em quando. Lembro que era de São Sebastião do Caí. F ficávamos nos “secando”, como se dizia à época, mas os pais delas eram brabos. Então, eu e meu grande e futuro ex-amor nos perdemos um do outro. Eu tinha nove ou dez anos. Quem sabe o que teria rolado se a gente levasse dois dedos de prosa, não é mesmo?
O hotel ficava na rua principal, cerca de quatro quadras, se tanto, da Rua da Igreja. Também estava hospedado nele o tio Edmundo Weissheimer, casado com a tia Sílvia Selbach, irmã da minha mãe. Minha prima Iara, que regula comigo em idade, foi quem, certa noite estrelada e com cheiro de maresia, apresentou-me para o sorvete americano. Sim, sentia-se a maresia mesmo no centro da cidade, porque não existiam prédios a entorpecer o microclima. O vento vinha direto da praia, sem escalas.
– Não, eu nunca comi sorvete americano, mas gostaria, prima.
Sorvete que eu conhecia era o comum, sem muita variação, creme e chocolate como padrão. Ou um dos dois. Perto do Bar Willy, que existe até hoje, mas com outra proposta, estava a máquina que fazia zzzz do tal sorvete. Ela pagou. Ato contínuo, o sorveteiro tirou uma casquinha, acionou um botão e o zumbido que fazia zzzz deu cria em forma de uma mistura de cor amarela entremeado com vermelho. Creme e morango! Meus jesus cristinho, que descoberta fizeram minhas papilas gustativas. Acho até que elas bateram palmas, ouvi um barulho estranho dentro da boca.
Não era só o gosto que era novo para mim. A consistência cremosa não existia nos sorvetes comuns. E assim foi meu primeiro contato com essa guloseima. Depois fiquei sabendo que essa maneira de fazer sorvete cremoso era made in Italy e não nos EUA.
As máquinas desse sorvete existem até hoje em qualquer canto na rua. Quanto ao gosto, bem, acho que não mudou muito. Se bem que o primeiro sorvete ítalo-americano a gente nunca esquece.