O esperto doutor Camacho (*)

13 jul • A Vida como ela foiNenhum comentário em O esperto doutor Camacho (*)

Muito bem conservada para a idade, mantendo um sotaque e os traços da sua fulgurante beleza quando jovem, dona Mercedes tinha história para contar antes de adotar este nome. Dona de pensão para mulheres honradas,  gostava de licor Cointreau, papo com jovens e lembrar os tempos em que era “francesa” em um discreto bordel de luxo da Capital. Atuou nele no tempo em que Assis Chateubriand disse que o Rio Grande do Sul deveria importar mulher francesa e plantar capim, e o jornalista nascido no Rio Grande do Sul  Justino Martins, da revista Manchete, escreveu que o sonho de todo gaúcho era ser cavalo ou avião da Varig.

Na real, nem francesas elas eram. Maioria vinha da Hungria, ia para Paris e de lá para terras pindoramas. O sotaque francês era fundamental. Pois foi numa dessas conversas regadas a Cointreau que ela contou a estranha história do doutor Camacho (*). Era um jovem advogado de sucesso, cujo maior amigo era abastado herdeiro de família de grande fortuna. Viviam colados nas atividades culturais e sociais. Em casa, o rapaz só falava nele para sua bela esposa.

Era doutor Camacho pra cá e pra lá a tal ponto que a mulher começou a desconfiar e a prestar atenção às fofocas dos salões de beleza. O bom doutor, aliás, arrancava suspiros das moças casadoiras, mas não dava pelota para olhares públicos e balanceio das ancas à procura de duas mãos que as agarrassem com volúpia. Atormentada pela dúvida, a esposa imaginava os dois mais juntos que o doce bem-casados. Até que um dia, fez-se a luz.

Estava ela em casa, rodeada pela aflição e ciúme quando bateram à porta. Ao abrir, deparou-se com uma belíssima jovem com olhar de rancor. Jogou uma trouxa contendo cuecas e meias do marido. Então falou.

– Eu sou o doutor Camacho. Seu marido a engana, não presta. Larga desse ordinário.

Não só não largou, como ficou aliviada. Então era isso. Bem que notara falta de cuecas do marido. Nada de doutor Camacho, o  maridão não gostava de homem, era chegado mesmo em rabo de saia. O doutor era companheiro de farra, isso sim. Mas também não deixou barato. Chamou o marido para um particular, encheu-o de desaforos e jurou greve de sexo por um ano, ouviu seu safado? Não se separou dele, afinal a vil pecúnia falava mais alto.

Neste ponto da narrativa, a garrafa do licor estava quase na metade. A velha senhora rainha do lupanar esperava a inevitável pergunta: como sabia ela da história com tantos detalhes? Ela riu.

– Fui eu quem visitou a esposa.

Mais um tiquinho de Cointreau e um pouco de riso sem gelo.

– Fui contratada pelo doutor Camacho. Nunca fui amante do amante dele.

(*) Nome fictício

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Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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