O cobertor que virou fuzil
Quando assumiu como governador, em 2000, Olívio Dutra disse que não usaria a ala residencial do Palácio Piratini e continuaria morando no seu modesto apartamento da Assis Brasil. Rendeu-se lá pelas tantas do mandato.
Jair Soares jurava que ouvia as vozes dos famosos fantasmas durante a madrugada. Synval Guazzelli também se referia a eles, contava seu assessor de imprensa, que era por ele chamado “Flecha Ligeira”, por motivos óbvios.
O Palácio Piratini tem tantas histórias que, certamente, uma delas teria a ver comigo. Em meados dos anos 60, após a Revolução de 1964, pouco antes de entrar na Zero Hora, eu morava na Duque de Caxias, altura do Alto da Bronze. Trabalhava no Banco da Província e fazia Jornalismo na Ufrgs. Uma eme de dar dó.
Bateu um inverno rigoroso, o pior da década. E eu não tinha um mísero cobertor digno deste nome. Uma noite, fui jantar no apartamento de uma amiga minha, em um prédio também na Duque, esquina com a Marechal Floriano. Sabedora da situação, até porque ela já tinha passado muito frio na minha humilde morada durante um combate de Eros, me deu um cobertor de primeiro mundo.
Embrulhei o dito cujo em rolo e me fui satisfeito para casa. Era alta madrugada, chovendo. Quando passei na frente do Palácio, o brigadiano que montava guarda me parou, apontando sua arma. E botou o dedo no cobertor.
– Desenrola!
Ainda tentei argumentar, dobrando o cobertor para mostrar que não tinha nada por dentro.
– Desenrola, já falei!
Certamente achava que o cobertor escondia algum fuzil. E tive que desenrolá-lo na calçada, encharcando meu rico presente por causa de um guardinha metido a besta.
Pra quê? Pra nada, como dizem os versos do poeta pernambucano Ascenso Ferreira sobre as bravatas dos gaúchos (Lá vem os gaúchos em louca cavalgada/Pra que?/Pra nada…).