O bom moço

2 fev • A Vida como ela foiNenhum comentário em O bom moço

A procissão e festa de Nossa Senhora de Navegantes sempre atraiu multidões e, claro, políticos da ativa e da reserva que pretendiam voltar a jogar no time principal. Mesmo os ateus lá iam. Alguns de mãos postas, em feitio de oração, olhos voltados para o céu para impressionar o povão.

Navegantes também era uma festa pagã, com o binômio cachaça e melancia. Vinha gente de longe para comer melança. E, a pretexto de evitar congestã, as tendas ofereciam a marvada, cuja lenda rezava que auxiliava a digestão da melancia, que nunca gozou de boa fama nesse aspecto posto que celulose é.

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Pois foi numa destas festas, no ano da Constituinte Estadual, em 1988, que a revoada de políticos foi mais intensa que nunca. A certa altura, um vereador tucano resolveu apresentá-la a um deputado com passado na guerrilha. Ela ficou encantada com o deputado, falando repetidamente como ele era simpático.

– Que cara boa o senhor tem! Vê-se logo quem é do bem, só olhando o rosto das pessoas.

Ao final do elogio, ela pediu que ele dissesse o que fazia além  de ser político. E botou insistência nisso. No entanto, ele não respondia sobre seu passado. 

Falou uma vez, o deputado ficou lisonjeado. Falou duas vezes, o deputado agradeceu, mas sem muito entusiasmo. Falou três vezes, e o homem já demonstrava alguma irritação. Ela falou quatro vezes, e o deputado – que era da esquerda barra pesada – chutou o pau da barraca.

– Olhe aqui, minha senhora, vou dizer o que eu fiz. Já botei bomba no quartel…

A velhinha endurece as feições.

-…assaltei alguns bancos à mão armada…

A idosa tremeu dos pés à cabeça.

-…expropriei o cofre cheio de dólares de um governador…

A essa altura, ela apontou o indicador para o rosto do deputado. Com voz trêmula, deu o veredicto.

– Eu logo vi que o senhor não prestava!

O mesmo ex-guerrilheiro teve que brigar pesado com uma organização terrorista que queria a sua parte do cofre. Mas essa já é outra história.

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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