O bauru genérico

21 jul • A Vida como ela foiNenhum comentário em O bauru genérico

O Bar Pelotense, na rua Riachuelo do centro de Porto Alegre, contava com alguns garçons folclóricos, como o Hugo, o Elpídio, o Perón, que depois virou taxista. Outro era o João, que acabou dono do pedaço e, um dia, disse ao caixa que ia ao dentista e nunca mais voltou.   

O Hugo atendia a Mesa Um. Era sósia do ator Walter Matthau. Igual, sem tirar nem por. Até o jeitão plácido era o mesmo.

Para não interromper a libação para almoçar ou jantar, comia-se na mesa, geralmente bauru, que não exigia talheres. Não se perdiam horas-uísque. O Lelinho, que era metido a gourmet, fazia o pedido todos os dias da mesma forma, como se estivesse na frente do Chef do Maxim’s de Paris.     

– Hugo, presta atenção pra não errar.   

O garçom tirava a Bic de trás da orelha e a fincava no bloquinho da comanda, em prontidão. O Lelinho respirava fundo e falava como se fosse a última refeição de um condenado à morte.     

– Quero o meu bauru com pão cervejinha, não com pão cacetinho, veja bem; bota dois bifes de filé, ao ponto…   

E o Walter Hugo Matthau escrevendo, compenetrado como se fosse um monge medieval copiando a Bíblia.       

-… mais para mal que para bem passado. Não carrega muito no sal. A mesma coisa com o ovo. Deixa tostar a ponta da clara e não quero a gema dura. Galinha já sofreu uma vez para botá-lo para fora. O queijo tem que ser duplo – tem o Duplex? – e nada de alface, só uma rodela de tomate gaúcho, não muito maduro, pelo amor de Deus. Bota uma pitadinha de pimenta do reino, certo?   

Após percorrer o texto do bloquinho, o Hugo então batia com a caneta esferográfica na comanda à guisa de ponto final, virava-se para a escada que dava acesso a cozinha, botava as mãos em concha na boca e berrava para a cozinheira Fifa em alto e bom som, como se fosse a trombeta de Jericó.       

– Saaaaalta um bauru!

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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