Comedores de quindins
Contam que, nos anos 1970, o jogador Claudomiro gostou tanto dos quindins de uma doceria do aeroporto de Recife que comeu duas dúzias deles. O que lhe valeu uma fuga intestinal em massa.
Lembrei disso quando estava na esteira da academia, vendo uma entrevista na Globo do cantor e compositor Arnaldo, dos Demônios, e de algo que ele me falou numa noite de sábado de 1973, quando eu era um dos produtores do programa ao vivo A Grande Noite, da TV Difusora, hoje Band.
Na seleção das músicas, perguntei se ele não se incomodava de cantar apenas um pequeno trecho do Trem das Onze, cantado ad nauseam Brasil afora naquele época. Pedi o Samba da Light, Deixa que Vá e outras obras-primas do Adoniran.
– Ainda bem, gaúcho. Você não tem ideia do que é cantar a mesma música dia sim outro também durante décadas.
Quase 40 anos depois, eu me sinto um Arnaldo ao ver, ler e ouvir as mesmas repetições ano após ano, os trens das onze, os velhos conselhos de autoajuda repetidos como se novidade fossem, onde iremos parar, presídios, idosos tratados como lixo, soluções para a fome e para trânsito, comidas e exercícios que prolongarão nossas vidas para além de Matusalém, corrupção, mensalão, análises e mais análises, como detectar sinais de traição entre casais, Ladies Gagas, Justins Timberlands, Telós, como moralizar a política e salvar o Brasil. Arre!
Tem mais. Quando morre alguém famoso vem a hipocrisia de sempre, como ele era amado – no Brasil você só é amado depois de morto – as entrevistas nos velórios, em que socialites ou colegas aparecem com enormes óculos escuros para evitar que o telespectador veja que elas NÃO estão chorando, lágrimas de crocodilo ou outras de verdade.
Adoramos o luto e curtimos a morbidez.
É o milênio dos comedores de quindins.
Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.
