Causo alegretense
Depois do causo da traíra que tinha um dente de ouro, contado por um capataz de estância do Alegrete, vem a conversa de uma empregada da mesma estância. Veterana que já trabalhou com muito doutor da cidade, e doutor viajado com muito dinheiro.
Isso foi nos anos em que não existiam as aplicações financeiras como hoje. Havia apenas a poupança e letras de câmbio. Pois a dona N. ficava sentada em um canto ouvindo e absorvendo todas as conversas dos patrões.
Certa vez, ela ouviu uma conversa sobre o alto custo dos hospitais. Quieta e atenta como coruja de corredor, desferiu uma sugestão.
– Por que não venderam as letras de cãibra?
De outra feita, foi a vez dela se queixar de um problema familiar envolvendo menores.
– Quando o conselho consolar chegou, achou a situação muito feia e chamou a polícia. Terminou que minhas irmãs foram mandadas de canguru para a delegacia e para a odiência. Tudo aconteceu porque a menina não tirava os olhos da nova TV de plasta que o pai comprou.
O tempo encarregou-se de embotar os ensinamentos vindos dos professores e da convivência com pessoas cultas. A alma atrofiou-se, impedida, pelos costumes da época e pelo senso de obrigação, de florescer e alçar voos maiores.