O presente do Machadinho
Um dos episódios mais dramáticos da minha adolescência se deveu à minha poupança. Ou melhor, por sua perda. Eu tinha meus 12 anos e, como exceção das minhas indisciplinas, passei a guardar metade da semanada. Meu pai me dava dois cruzeiros, símbolo Cr$. Então eu firmei um pacto comigo.
Dos Cr$ 2,00, gastava 50 centavos no cinema, a matiné de domingo de tarde. Ninguém mais usa o termo, mas eram as sessões das 14h. A das 16h eram chamadas de vesperal. Depois vinham a primeira e segundas sessões à noite.
Muito bem. A casquinha de sorvete de baunilha custava outros Cr$ 0,50. Então sobrava Cr$ 1,00 para a poupança. Eventualmente, recebia alguns trocados dos meus padrinhos e pela venda de garrafas vazias.
Foi assim por meses. Com que satisfação eu via minha carteira de plástico com foto de jogo de futebol engordar cada vez mais. Orgulhoso, carregava-a sempre comigo. Má ideia. Certo domingo a perdi. Refiz o trajeto entre a última vez que a senti no bolso traseiro da calça até o momento do desaparecimento dezenas de vezes, e nada. Sumiu, e bem sumida. Ou foi roubada, sei lá.
Segurando o choro, fui ate o Café Comercial – toda cidade tinha um – à procura de alguma alma caridosa. Por sorte, encontrei o Machadinho, que namorava minha irmã de criação. Funcionário graduado do Frigorífico Renner, ouviu meus ais, sacou uma nota de Cr$ 50,00 e me deu de presente. Foi um assombro. Para mim, era uma fortuna. Agradeci efusivamente e deveria sair saltitando. Só que não.
Eu daria com prazer os 50 cruzeiros do Machadinho se me devolvessem meus 36 cruzeiros perdidos. O sentimento de perda não vai embora com uma nota de 50.