No tempo em que as testas falavam

5 fev • A Vida como ela foiNenhum comentário em No tempo em que as testas falavam

Quando tudo começou, a humanidade só sabia expressar emoções básicas que precisavam de um tradutor, alguém da espécie, Como os animais hoje, só especialistas para saber se estão alegres, tristes ou chorando. Os cães pelo menos aperfeiçoaram os rabos para mostrar que estão contentes.

Os humanos não tinham mais rabo, e sambiqueira não dá para sacudir. As de frango dá para comer, mas nem as penosas têm rabo que deveriam ter, pois descendentes de dinossauros são. Em algum ponto entre 300 mil e 70 mil anos, houve espaço para sentimentos intermediários e avançadinhos para a época, como ironia e, bem depois, sarcasmo.

Foi a época em que os olhos começaram a falar, às vezes de forma ensurdecedora. As mãos sabiam falar bem antes disso, mas ainda circunscritas às emoções básicas com uma que outra nuance. O dedo médio espetado no ar dos americanos é bem recente, em termos históricos.

victorE assim caminhou a humanidade até atingir o ponto em que rostos formavam um conjunto capaz de ser entendido por qualquer um. Verdade que quase escorregamos de volta. Um exemplo foi o ator de cinema Victor Mature, anos 1940 em diante, que só sabia expressar emoções franzindo ou não a testa. Só tinha essa cara. Testa franzida dele podia ser raiva, medo, pesar. Testa lisa, bom, aí precisava de um tradutor. Mas foi apenas uma anomalia genética, por assim dizer.

Passam-se as décadas, vem novas modas e costumes. Surgiram atores, atrizes e políticos que representavam sempre, especialização que mantêm até hoje. Pulando décadas intermediárias, chegamos hoje aos artistas do showbiz. Chegamos ao estágio em que todos eles representam tanto o que pensam interpretar que não conseguem voltar ao normal.

Representam até quando estão dormindo. O ronco pode ser falsificado, inclusive. Onde os vemos? Olhe em volta. Todos esses shows musicais têm como matéria prima o último estágio da representação, o famoso caras e bocas. E, claro, olhos, braços e até pernas falam. A música? Mero detalhe. Eles podem viver sem ela.

Há uma limitação para os representantes: o corpo. Se ele não for bonito, se uma cantora ou cantor não despertarem sentimentos de luxúria nos diversos públicos, pode cantar bem como ninguém que nunca chegará lá. A última foi IZA, que virou popstar em caixa alta e é tratada como uma intelectual recém-chegada de Oxford com doutorado em Física Quântica.

Fora das com corpo escultural, nada feito. A não ser como um fenômeno momentâneo na internet cuja luz tremula um pouco e logo se apaga. Eventualmente acendida de novo por breves instantes por algum curioso que esmiuçou no baú do You Tube.

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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