Demônios da dança

19 dez • A Vida como ela foiNenhum comentário em Demônios da dança

 Os casais esvoaçavam pelo salão rústico em danças rudes e imperfeitas ao som de improvisados instrumentos de corda, que ninguém realmente sabia tocar. Do tosco instrumento de fole, saía um estranho som mais parecido com um ataque de asma que música. Mesmo assim, todos bailavam felizes e acometidos de um frenesi inexplicável. As mulheres levantavam as pesadas saias para sugerir que a casa final era de quem se atrevesse e da invasão elas não protestariam. Quase dava para tocar a libido que impregnava o ambiente.

 A festa de casamento começara cedo naquele dia. Seguia noite e madrugada adentro. Bebiam vinho zurrapa e um líquido amarelo que deveria ser cerveja ou algo assemelhado. Carnes de caça cruas ou queimadas eram devoradas e imediatamente repostas, algumas ainda sangrentas. Os noivos dispensaram a saída na surdina, eles estavam deitados em cima da mesa a centímetros dos rostos dos convidados.

 Todos naquele amplo ambiente enfumaçado cheirando a suor, vinho azedo e sexo, não tinham real consciência que estava dominados pelos demônios da dança, algo que os aldeões mais antigos sussurravam para os mais novos, que ansiavam ser possuídos por eles. Cuidado, diziam os velhos sábios, há castigo para quem se deixa dominar por eles.

 Num determinado momento, aparece um padre buscando passagem para ir para a casa de um devoto em agonia, familiares queriam que o quase-finado recebesse a extrema unção. O problema era que a turba em frenesi se postava na frente dele, dançando e impedindo sua passagem. O homem de Deus não conseguiu ir na casa do moribundo, que acabou falecendo sem receber os últimos sacramentos. Neste momento, já quase raiando o dia, todos saíram para os campos totalmente bêbados e sempre dançando. Os demônios da dança extraiam deles o último grama de energia.

 Como os mais velhos sussurravam, veio o castigo. Quando o sol firmou no céu azul sem nuvens, um inexplicável vento varreu toda a região. Todos os participantes daquele bacanal foram convertidos instantaneamente em pedras, sem nenhum vestígio de que, algum dia, eles tivessem sido humanos.

 É assim que os franceses da Bretanha explicam a origem das rochas mais ou menos da altura de um homem que estão postas em um pedaço daquela região no oeste da França. A lenda é simplesmente espetacular.

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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