Talento do caminhoneiro
O hotel Alfred Porto Alegre tinha um excelente bar, o Tyffany’s, inspirado no lendário Harry’s Bar de Veneza. A decoração era marrom ou bege, nunca sei a diferença, com veludo vermelho nas cadeiras e tapetes. Era um luxo, sobressaia-se dos demais bares de hotéis, que tiveram sua época de ouro até o início dos anos 1980.
Certa noite, eu estava lá quando entrou um negro imenso, um bluezeiro americano que fazia shows na cidade. O barman estranhou, mas não disse nada. Não lembro o nome dele, mas era famoso por sua guitarra e pelo fato de ter sido um simples caminhoneiro até que seu talento veio à lume. Sentou-se num tamborete do balcão e pediu rum com suco de laranja, vejam só. A lado dele havia um piano.
Nisso entra um gajo meio bêbado, senta no piano e começa a tocar de forma horrível o boogie woogie, que é coisa para profissionais. Um desastre completo. Nem um minuto depois, o americano fala shit! E algumas palavras mais, afasta o borracho e começa ele a tocar o Swanee River. O cara era muito bom.
O pouca-prática foi embora, envergonhado. O gringo voltou ao seu rum com suco de laranja. O barman veio até mim, fingindo trocar o copo e passar um pano na mesa.
– Quem é esse cara?
Outro pouca-prática, pensei. Então não adiantava dar luz para cego.
– Um caminhoneiro – falei.
Ele trocou a cumbuca com amendoins e pipoca.
– Logo vi.
Curta o boogie pela voz e piano do Hugh Laurie:
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