Tempos normais

27 jun • A Vida como ela foi, Sem categoriaNenhum comentário em Tempos normais

O homem feliz só tinha uma camisa. Tudo na vida é passageiro, menos o condutor e o motorneiro, falou o Barão de Itararé. Para gostar de momentos que foram difíceis no passado ́ é preciso compará-los com o presente. Conclusão óbvia: a felicidade é relativa.

Vistos de hoje, meus anos de repórter policial, no final dos anos 1960, foram cruéis para os tempos atuais. Mas, para mim, foram tempos de felicidade. Sim eu era feliz, apesar de trabalhar em dois empregos, sendo um na ZH – de madrugada até as 7h -, e ainda fazer a Faculdade de Jornalismo. Significava dormir duas ou três horas e folgar no final de semana a cada quatro.   

Na época, um ex-brigadiano incomodava a Polícia Civil e a Brigada Militar. Não dou o nome porque pode ter parentes vivos, e filhos não têm culpa dos pecados dos pais e vice-versa.

Mas o homem era danado. Seu lugar tenente chamava-se Mina Velha e era seu braço de vingança. Por uma série de motivos, odiava o jornal ainda no tempo em que o dono era o (brilhante) jornalista Ary de Carvalho.

Em três madrugadas distintas, sobrou para mim. Na primeira, quando caçado pelas polícias, cortou a frente da viatura na rua José de Alencar e colocou uma 12 na minha cara. O fotógrafo era Sérgio Arnoud, e íamos dar uma geral na 6ª DP, na Tristeza. Era um dos 10 odiados.

Nunca saberei se ele acionaria o gatilho ou era de mentirinha. Mas meio que gaguejando, falei que iríamos cobrir um evento social na Zona Sul. Ele se acalmou.

Na segunda vez, voltávamos da ronda. Parávamos para tomar um café com pãozinho com manteiga e patê em lancheria na esquia da Uruguai com a Sete de Setembro. Quando entramos na picape Willys, ouvi um estouro acompanhado de chamas altas bem na frente do carro. Por sorte, o motorista Luiz Mário tinha engatado uma ré, como sempre fazia, para depois botar a primeira, mania de motora. Foi o que nos salvou.

Luiz Mário largou a embreagem de repente, e a picape saltou para trás. Na frente, o fusca marrom do Mina Velha.   

Da terceira vez, estava entrando no prédio, na época a ZH tinha redação nesta rua, quando ouvi um estampido. Achei que era a descarga de um fusca que passava. Fusca marrom, não caiu a ficha.

O porteiro, que também era telefonista, olhou-me com ar assustado. Trêmulo, apontou um buraco de bala nas pastilhas da fachada. Não foi estrondo da descarga. Foi o Mina Velha de novo.   

Nem por isso o jornal fez editoriais reclamando da falta de segurança e nem a ARI ou Sindicato dos Jornalistas clamaram aos céus pedindo justiça. Na época, fazia parte do jogo. Mesmo com todos os perigos, posso jurar de pés e mãos juntos que eu era feliz. Era jovem, então, o que explica quase tudo.

https://www.brde.com.br/

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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