Os espelhinhos do seu Cabral

8 maio • NotasNenhum comentário em Os espelhinhos do seu Cabral

Quando Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil, tratou logo de fazer amizade com os indígenas, que ficaram entre desconfiados e esperançosos com a chegada do homem branco e seus maravilhosos barcos empurrados pelos ventos. Homem pragmático que era, o navegador português já sabia, quando partira, que encontraria povos nativos que nunca deveriam ter avistado homens brancos e pálidos.

Por isso, entre  a carga de mantimentos, pólvora e pano para vela, vieram baús cheios de espelhinhos e miçangas, continhas coloridas que não têm valor nenhum, mas provavelmente encantariam os nativos. E foi o que aconteceu.

https://promo.banrisul.com.br/bdg/link/conta-universitaria-cashback-cartao-credito.html?utm_source=fernando_albrecht&utm_medium=blog&utm_campaign=conta_universitaria&utm_content=escala_600x90px

Está acontecendo com os Cabrais de hoje e os nativos sedentos de novidades tecnológicas, alguns simples retrocessos do que funcionava bem sem elas e outras como amostra para dizer como eles ganharam coisas boas do homem tecnológico. Entre elas, o QR Code, que substitui aos poucos os cardápios dos restaurantes.

Para dizer a verdade nua e crua, a novidade é uma grande bosta. Nem sempre o celular consegue acessar aquela imagem cheia de labirintos, como também semeia mais dúvidas que certezas sobre o que você vai comer.

https://cnabrasil.org.br/senar

Aberto o código, surge uma lista de pratos e preços que obriga a ir rolando a tela. Quando chega no terceiro prato, você já esqueceu o primeiro.

O velho e bom cardápio

A Humanidade consegue tornar caras coisas que eram grátis, como os cardápios físicos. Gasta dados móveis, bateria e aparelho, enquanto, no cardápio, você enxerga a floresta de opções com preços de uma vez só, possibilitando um cortejo de preços de forma instantânea.

O que faz o deslumbrado? Acha uma maravilha passar trabalho para escolher uma comida. Igual aos espelhinhos do seu Cabral.

As novas tecnologias invariavelmente implicam algum tipo de despesa, outrora reduzidas ou inexistentes, ao passo que estas máquinas são caras, têm prazo de validade e requerem manutenção. Sem falar que a bandidagem os usa para roubar algo ou te infernizar pelo resto da vida, quando não te trazem a morte ou pobreza intelectual.

Paus e pedras

Estou convencido que está acontecendo algo paradoxal: as modernidades avançam mas a Humanidade dar marcha-ré.  Além de depender delas dia e noite, pagamos caro por essas miçangas, que são úteis até o momento em que deixam de ser.

E o prêmio maior é o emburrecimento geral. Ah não? Então me diga se você acha as novas gerações preparadas para a luta da vida sem essas engenhocas. Nem vou falar que ninguém lê, a não ser bula de remédio e olhe lá.

Não quero dizer que temos que voltar aos paus e pedras das cavernas. Mas, com a preguiça mental e física gerada por maravilhosos equipamentos e programas, corremos o risco de voltar aos paus e pedras, sim.

A máquina perdida

Há anos, uma assessora de imprensa contou que um estagiário de jornalismo a procurou para dizer que, agora sim, ele acreditava em uma máquina de escrever. Ante o espanto da chefe, falou que achava ser lenda urbana. Como viu uma ao vivo e pode tocá-la, mudou de convicção.

É difícil explicar para os mais novos como era no tempo das máquinas de escrever. Não havia a tecla “delete”, tinha que apagar a palavra com borracha e escrevê-la de forma correta. Ou, pior, começar todo o texto de novo em laudas de papel, que tinham marcações em cima e nas laterais para facilitar a diagramação.

Chato mesmo era trocar a fita da máquina, normalmente preta ou dividida em preta e vermelha. Yes, já se escrevia a cores.    

Tecnologia da língua presa

De quando em quando, um técnico precisava desentupir o teclado. Em cima, porque os tipos em alto relevo enchiam de sujeira. Embaixo, no fundo da máquina, porque as partículas de borracha e pedacinhos da lauda acabavam por endurecer o teclado. Em miúdos, as hastes ficavam com a língua presa, por assim dizer.

É isso aí, amizade

Pesquisa Datafolha mostra que apenas 1 em cada 4 brasileiros relataram ter amigo, e só um, insistindo. Dá para dizer que até isso a pandemia esculhambou, posto que essa taxa  vem subindo nos últimos 18 meses. Mas o triste é que 14% disseram que não têm nenhum amigo.

No primeiro caso, até dá para dizer que os pesquisados foram honestos. Quem entre nós não ouviu dizer “não confunda amigos com conhecidos”? O que é uma baita realidade.

Mas o rabo da cobra enrosca quando diz que não tem nenhum. Ou esse ser solitário não quer tê-los ou não consegue. Ora, isso é uma tragédia.

Os tempos selvagens que vivemos nos meios urbanos insuflam a misantropia. A rejeição do ser humano é uma realidade. Para ser sincero, sinto que o ser humano é um projeto que deu errado.

Faça uma triagem e conte quantos amigos de verdade você tem, amigos testados e retestados. Poucos passam nessa peneira. Amigo se revela nas adversidades. Amigos são leais. Os sobreviventes são tesouro,  guarde-os como tal.

Ao fim e ao cabo, é só isso que nos resta.

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

FacebookTwitter

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

« »