Os dentes dos outros
Certa vez, ouvi de um psiquiatra que ninguém sabe realmente o que se passa na cabeça dos outros, inclusive ele e seus colegas. Se pudessem, a terapia seria moleza. É esse o grande problema, e por isso cometemos erros colossais pensando que somos tatus, aquelas máquinas de abrir túneis. Na mente, no caso.
Mais ou menos nessa época, fui tocado por uma frase dita por um amigo. Era um juiz aposentado que fazia parte de uma roda do Bar Pelotense, formada por jornalistas, magistrados, promotores e profissionais liberais. Certo dia, ele sumiu, então pergunta daqui, pergunta dali, soubemos que ele havia extraído os dentes devido à uma piorreia, e aguardava a prótese. Logo ele, homem muito vaidoso.
Alguns dias depois, eu e um amigo da roda, o Lelinho, descobrimos que ele estava escondido no canto mais escuro de uma uisqueria. Fomos lá. Estava acabrunhado, cabeça baixa, deprimido. O Lelinho tentou consolá-lo.
– Olha, isso acontece com todo mundo. Eu mesmo tenho problemas com os dentes. Nem por isso fiquei deprimido.
O juiz o interrompeu, fazendo não com a cabeça, e deu à sentença final.
– Lelinho, Lelinho. Não me consola com teus dentes.
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