O teatro e o surfista
Quando da reinauguração do Theatro São Pedro, há anos, uma amiga me contou que recebeu uma entrada de cortesia para assistir uma peça de cujo nome não me recordo. Era coisa boa, de forma que ela ganhou um lugar no fundo e no alto.
Mais meio metro, e ela encostaria a bela cabecinha no teto. No entanto, estava felicíssima com o brinde.
– Pelo menos deu para ver de perto a pintura do teto – falou, sem um mícron de ironia.
E eu me queixando da vida. Já contei a história do jornalista e poeta Moacyr Ribeiro, que conheci no final dos anos 60, no Bar Leão, na Rua da Praia. Bar este que, na madrugada, reunia uma fauna variada, composta por jornalistas, poetas loucos ou por enlouquecer.
Pois Moacir fez um poema que fez relativo sucesso. Mas não lhe deu um miserável centavo. Começava com “Hoje eu amanheci/Com uma vontade louca/De brigar com Deus”.
Esquecido, trabalhou anos como porteiro de prédios residenciais. Reencontrei-o pouco antes de morrer, anos 1990, mirando a nesga do rio Guaíba vista do viaduto da Conceição, acenando com um volante da Mega Sena acumulada e dizendo o que faria com a grana, olhar perdido.
– Vou surfar em Camboriú… Não no Havaí ou na Austrália.
Ou outro sonho de consumo dos surfistas, mas Camboriú, que nem onda tem. Entretanto, entendi o sonho do poeta e os esquecidos ou os desistentes da vida, os sem-teto e sem destino que se contentam com pouco. Mesmo surfando numa vida miserável regada com cachaça vagabunda e restos de comida fria. Mala suerte.
Eles só queriam ver o teto de perto.
Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.
