O pasto azul
Por acaso se encontraram na pradaria com pasto verdejante, depois de uma bela chuva, um burro e um tigre. Como ele já havia almoçado, nem deu bola para o burro.
– O pasto é azul =-zurrou oburro.
O tigre balançou a cabeça.
– De onde você tirou essa bobagem? O pasto é verde!
– O pasto é azul – insistiu o burro, sem se perturbar.
– Tem que ser muito equivocado para dizer uma bobagem dessas. Vamos tirar a teima com o leão.
E lá se foram os três. O Rei dos Animais recém tinha acordado de uma sesta e pediu ao cerimonial que os dois entrassem.
– Seguinte, seu leão, o burro aqui diz que o pasto é azul. Pode uma coisa dessas?
O leão sacudiu as moscas da sua juba. Refletiu por algum tempo.
– Ele está certo. O pasto é azul.
O burro foi embora satisfeito. E o tigre explodiu.
– Como podes dizer uma besteira dessas?
– Tem que ser muito burro para discutir com um burro, tigre.
Lembrei desse causo quando vi opostos discutindo pelas redes, um querendo convencer o outro da sua verdade. E me veio à memória o que o pai das páginas 3 dos jornais de Porto Alegre certa vez me disse.
Carlos Reineich Coelho fez o Informe Especial da Zero Hora até o início dos anos 1970 – página que eu fiz nos anos 1980. Antes desse nome, o Coelho escrevia o Sal do Dia, antigo nome do Informe Especial, em meados de 1960.
Pois bem. Estávamos bebendo chope e comendo tira-gosto de anchovas no pão preto no Gilbert’s Bar, respeitável estabelecimento na avenida Salgado Filho de Porto Alegre, quase esquina com a Marechal Floriano “do lado de lá”. Estávamos nos anos 1970, e eu tinha trocado farpas com um deputado que fora desprovido de inteligência elementar. Cheguei a me irritar com ele. Depois que contei ocaso, o Coelho me apontou o dedo.
– Alemãozinho, se você não tem pelo menos 30% de chance de fazer o outro mudar de ideia, cai fora. Só vais te irritar e isso não é bom para a saúde.
Fiquei matutando sobre esse sábio conselho. Ao longo das décadas seguintes tentei, ao menos, praticá-lo. O problema é que quando burro vê pasto azul o tigre tinha é que ter fugido da raia. Sim, o pasto é azul. Sempre foi.
Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.
