No escurinho da cozinha

7 jun • A Vida como ela foiNenhum comentário em No escurinho da cozinha

Namoros da era AC (antes do celular)  eram coisa muito séria, com alguns rituais que variavam de região para região. Na cidade grande, eram mais elásticos, eis que tudo era bem de acordo com o ritmo da cidade. Mesmo assim, eram tempos em que os carros como o fusca iam de 0 a 100…algum dia.

Já nas colônias alemãs, o papo era uma pilha em cima de outra pilha de protocolos não escritos, sistema que vigia também em famílias de Porto Alegre que tinham origem no interior. A maioria delas não era nascida na Capital.    

O começo se dava com olhares furtivos durante a missa dos domingos, especialmente durante o sermão caprichado do padre. Havia uma sequência na saída da missa, e quando tinha alguma quermesse para angariar fundos para a paróquia, o que acontecia de meses em meses. 

Esse olhar de olho no olho era acompanhado pelas mães e comadres fofoqueiras – um pleonasmo -, não necessariamente nesta ordem. Fosse hoje as comadres diriam “aí tem!” 

A evolução era mais lenta que carro de boi dando marcha-ré. Até que vinha o Kerb, a festa do dia do santo da vila, e o baile, palco de futuros casamentos.   

O cronograma era rígido. Primeiro, nas colônias a festa e baile nunca eram aos sábados para evitar que os fiéis de ressaca matassem a missa de domingo de manha. As famílias preparavam lautos almoços em que vinha a parentama que morava fora, mesa no capricho com barril de chope, gasosa, spritz bier (refrigerante feito com gengibre limão e açúcar, uma delícia), carne de porco, galinha, massa, purê de batata, salada de cebola e tomate e pelo menos meia dúzia de sobremesas diferentes.

Neste dia, as papilas gustativas aplaudiam o menu de pé. Mas era uma vez por ano.  O namoro dava os primeiros passos com visita à namorada nos domingos de tarde. Mãos dadas e corpos à procura de um metro quadrado sem vigias. No decorrer dos meses seguintes, rapaz e a moça iam para a cozinha, geralmente com o fogão de lenha apagado.

Sem energia elétrica na maioria das vezes, restava a luz do Lâmpada de Aladim. Mãos dadas, gestos cautelosos, mão na mão e mão na outra coisa, desde que a tia solteirona – e sempre havia uma – não soasse o alarme. Depois ela fazia um relatório para a mãe da guria, geralmente recebido com ar de reprovação.  

Meses (ou anos) depois vinha o noivado e casamento. Até que o padre abençoasse o casal e eles dissessem sim, as comadres vigiavam a cena com periscópio. Após, vinha a lua de mel. Com pouco dinheiro, só a lua.   Depois da cerimônia religiosa, a tia solteirona fazia snif!

https://www.brde.com.br/

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

FacebookTwitter

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

« »