Júlio, o erudito
Quando fui comentarista na TV Pampa, em 2000/1, resolvi ir de táxi em vez de carro. A empresa pagava. Horários sempre de pico, melhor desse jeito. Eu conhecia um taxista gurizão, o Júlio. Flor de pessoa, mas com um defeito: nunca chegava na hora marcada. Fui enchendo as medidas, sabia que ele pegava corridas mesmo sabendo que chegaria atrasado no meu prédio.
Um dia, peguei o Júlio, e com toda gravidade fiz ele ver que arriscava perder cliente certo, que pagava a semana adiantada, que eu não podia entrar atrasado no ar. Ele jurou que isso nunca mais se repetiria. Então tá, eu falei. No dia seguinte, o Júlio se atrasou de novo. Quando o táxi chegou, rodei à baiana.
– Júlio, eu avisei. É o fim da parceria. Desta vez, o copo transbordou.
– Mas seu Fernando, minha tia…
– Tua tia deve ser mentirosa como tu – atalhei. – Vamos pela última vez, e troca de estação, bota na Rádio da Universidade. Só faltava ter que ouvir esse falso pagode.
Cada vez que ele queria falar, eu cortava o papo pela raiz. Com a cabeça quente, decidi curtir um concerto para trompete de Haydn. Absorto na peça, falei alto comigo mesmo.
– Algumas vezes, o Haydn é melhor que o Bach…
Era a deixa que o Júlio esperava. Alvoroçou-se.
– Pior que é! Pior que é!