Decifra-me ou te devoro
Certa vez me perguntaram como um colunista ou comentarista de programa de rádio consegue atrair a atenção dos leitores e dos ouvintes. Respondi que um dos macetes era não ter certezas sobre tudo que comenta. Na época, eu estava no Jornal Gente da Rádio Bandeirantes.
De fato, em regra, gente de rádio tem certezas absolutas mesmo sobre eventos que não domina ou só conhece parcialmente. Em jornal, a tarefa é mais fácil, porque eu não sou obrigado a tê-las o tempo todo.
Via de consequência, eu respondi, o ouvinte não desgosta que o comentarista tenha as mesmas dúvidas que ele. Uma espécie de solidariedade que o leva a pensar “Sim, eu tinha razão com as minha dúvida, tanto que ele também as tem”.
E quando é algo que cause espanto, é comum o que eu chamo de jornalismo de interjeição, “Mas onde vamos parar?”, e escrita “Alguém tem que fazer alguma coisa!”.
A síndrome do polvo louco
Quando o fato não tem protocolos de enfrentamento, assim como uma fábrica os têm em caso de incêndio, resta bradar as céus ou ao microfone. Pela minha experiência, quando alguém “faz alguma coisa” o resultado é pior que o problema.
Como diz o ditado, a pressa é inimiga da perfeição, ou o famoso serviço rápido e malfeito. Governos são como povos, vários tentáculos que possuem movimentos independentes, ligados a um cérebro que os coordena.
Na maioria das vezes, em caso de emergência, governos não têm cérebros lógicos. Então, acontece o festival do polvo louco, tentáculos guiados pelo pânico procurando se agarrar em algo que não existe.
O oposto é quando os tentáculos agem em consonância com o espantoso. Por exemplo, eu não consigo entender, meu caro leitor/ouvinte, assim como você, como pode uma Corte absolver homens públicos e privados que meteram a mão no pote do malfeito. Crimes que ela mesma condenou há alguns anos com tanta convicção, inclusive devolvendo parte dos bilhões que vieram de propinas? E depois da soltura, os julgadores vão a festas nas mansões de advogados que defenderam os réus?
Onde a pastagem é sempre verde
Há muito tempo, Brasília era chamada de Ilha da Fantasia. Os nativos da Capital Federal se irritam com o apelido, mas é a mais pura verdade. Depois de um certo tempo morando e trabalhando nela, os problemas brasileiros do país real parecem a visão da calçada vista da cobertura de um prédio alto: parecem estar sempre limpas…
Então, meus caros, se vocês não entendem essas decisões, devo dizer que eu também não. É caso de fazer jornalismo de interjeição: Mas onde vamos parar?