As três tampinhas
Eu sou eu mais as minhas circunstâncias, escreveu o filósofo Ortega Y Gasset. Às vezes, a circunstância pode ser uma tampinha de garrafa.
São três episódios marcantes envolvendo essa pequena peça que hoje vale o que pesa por serem de alumínio, que não oxida. Por isso, pode ser armazenada a céu aberto.
O primeiro episódio se deu nos anos 1970 envolvendo a Cervejaria Polar de Estrela e a Antárctica. O colunista Carlos Coelho escreveu no Informe Especial da ZH que a segunda tinha sido comprada pela primeira.
Caiu o mundo, a Polar negou veemente, o Coelho teve que se retratar. Dias depois, o colunista bebia uma cerveja e, em dado momento, viu que, na parte interna da tampinha, estava escrito “Fabricada pela Cervejaria Antárctica”. Triunfante, ele reabriu a coluna e publicou com detalhes a nota. Desta vez ninguém desmentiu.
A segunda tampinha circunstancial se deu em Uruguaiana. O velho Tuxo, personagem folclórico da cidade, gostava de mostrar seus bíceps e, para provar sua força, esmagava a tampinha só com dois dedos da mão. A criançada ficava impressionada, ao que ele comentava.
– E é a mais forte que a companhia produz!
O terceiro episódio envolve a Pepsi Cola de Porto Alegre no início dos anos 1960. A Coca Cola dominava o mercado. Mas o português Heitor Pires criou promoções que deixaram a Coca comendo poeira.
Uma delas consistia em imprimir prêmios no fundo na tampinha. Outro refrigerante grátis, quantia em dinheiro e o prêmio maior: um Fusca. Só um foi sorteado.
Aí vem a lenda: alguém apareceu com a tampa do fusca com detalhes microscópicos como cédulas da Casa da Moeda. Remédio era dar um segundo carro, até que um funcionário da Pepsi olhou para o outro lado.
Era uma tampinha da Brahma.
Os magrinhos bulímicos
Impressionante como a maior parte dos jornais sofre de bulimia. Estão magrinhos como modelos que só bebem água e vomitam se ingerem algo maior que uma ervilha.
No caso dos impressos, a magreza é pela falta de anúncios mais a redução de páginas para baixar os custos do papel e tinta, que, junto com a logística de distribuição, são os que mais pesam. Mas como acidente de avião, que não tem uma única causa, há uma sucessão de eventos.
O paulatino desaparecimento de leitores é uma – para que ler se tem CHAT GPT? – a lassidão, a frenética busca pelo futuro esquecendo o passado, o não querer saber como as coisas funcionam, o baixo estoque de palavras das pessoas por falta de leitura, prazer em extinção. E, claro a concorrência da edição virtual e das redes sociais.
A falta de anunciantes também é um acidente de avião. Ao longo das últimas décadas, o Rio Grande do Sul foi perdendo relevância econômica e política na sequência.
Quando comecei a trabalhar no jornalismo, há 56 anos, o PIB (na época tinha outro nome) gaúcho representava 12% do Produto Interno Bruto nacional; hoje, não chega a 6%.
A roda da economia estreitou e encurtou. Não temos volume de publicidade para sustentar confortavelmente tantas publicações.
Como sempre lembro, será que estamos entregando ao leitor um jornal que ele quer ler? E o leitor comum lê os jornais ou só os vê?