A odisseia

15 jan • A Vida como ela foiNenhum comentário em A odisseia

Não precisou o despertador tocar, eu já estava acordado. Na verdade, nem dormi. Desde o dia anterior fiz e desfiz minha pequena mala um dúzia de vezes para ver se não faltava nada.

Por preocupação, levei o sabonete Lifebuoy. Mas a mãe já levava o dela, inclusive a Colônia de Alfazema. Na garagem, o pai esquentava o motor do possante Dodge, já previamente abastecido e com pneus calibrados. Tamanha era a excitação que nem cogitei em tomar café.

Na cozinha, a mãe acondiciona a galinha assada com farofa, garantia de ficar comível por horas e até dias fora da geladeira. Aliás, nem tínhamos uma. No máximo, um porão frio, onde se guardavam cervejas e alguns poucos refrigerantes.

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O surgimento da Coca-Cola foi como descobrir um novo mundo gaseificado. Para durar mais, fazíamos um furo com prego na tampa. Angustiantes minutos depois, finalmente carregamos a bagagem no carro.

Fiz questão de levantar a enorme antena do rádio, em cuja ponta finquei um pedaço de lata. Diziam que melhorava o sinal das emissoras de rádio ondas curtas.

Enfim, a partida. Cheiro da colônia pós-barba Água Velva do pai.

O Dojão roncava satisfeito na estrada de chão batido. Ainda à noite, olhos esbugalhados iluminam a estrada. Estava deserta e não cruzamos com outro carro por dezenas de quilômetros.

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Vez que outra os faróis iluminavam uma lebre, visível porque os olhos refletiam a luz, antes de ela atravessar a estrada. Nunca entendi essa tendência suicida, porque volta e meia se via alguma estirada no leito.

Alguns paravam, recolhiam-na para fazer ensopado de lebre. Quem não tem coelho caça lebre.

Ao alvorecer, finalmente entramos no asfalto, tão estreito que, ao cruzar com outro veículo, forçosamente o rodado direito saía dele. Já sentia o cheiro de gasolina misturado com poeira. Para mim, era perfume, tudo era festa.

Neste momento, bateu a fome. A mãe abriu o embornal e me alcançou a mais gostosa coxinha de galinha da minha vida. Um gole de café ainda quente de garrafa tampada com rolha. E eis o menino mais feliz do universo.

Horas depois, trocamos de estrada. Era outro longo trajeto em direção a Tramandaí. O cheiro de pão recém-saído do forno em Glorinha, os enormes sonhos de Santo Antônio da Patrulha.

Mal vendo a hora do cheiro da maresia, quilômetros antes de chegar a Tramandaí. Mas essa já é outra história.

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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