O pintor de calçadas
O Restaurante Dona Maria, que ficava na rua José Montaury, ao lado da entrada da Galeria Chaves, tinha portas vaivém como nos saloons dos filmes de faroeste. Nós sentávamos na Mesa Um, no outro extremo da espaçosa casa. Certo meio-dia, assoma à porta um sujeito parrudo de meia idade, vestindo bombachas enroladas até o tornozelo, alpercatas nos pés, faca de churrasco na cintura. Abriu as portas e ficou ali por algum tempo, tal e qual um pistoleiro procurando o John Wayne.
Levei algum medo, porque mesmo à distância o forasteiro parecia completamente transtornado. Passados uns bons dez segundos, entrou com o passo acelerado mirando o fundo, batendo em mesas e cadeiras como um panzer. Vai matar alguém, foi o sentimento geral ao ver o rosto congestionado do indivíduo. Ele suava em bicas.
O gauchão passou rente à nossa mesa, dobrou à esquerda e entrou no banheiro chutando a porta. Todo mundo ficou paralisado, sem ação, ouvidos atentos esperando o grito de agonia de alguém sentado no vaso. Silêncio absoluto. Só se ouvia o tchatchatchtchat dos velhíssimos ventiladores de teto. De repente, o cara sai do banheiro, caminha em nossa direção. Parou. Mostrava um ar de alívio. Puxou um grande lenço petit-pois azul e branco do bolso de trás e enxugou o suor.
– Mas bah, tchê, foi o que deu pra chegar no recurso. Comi uma laranja passada e quase pinto a calçada de marrom!