Publicado por: Fernando Albrecht • 20 fev • Publicado em: A Vida como ela foi •
Comida de verdade mesmo comia-se pouca no tempo em que Porto Alegre ainda sorria. Quer dizer, para quem fosse pelado, como eu e estudantes em geral, embora a maioria fosse da classe média, mas com pais morando no Interior. Quando a fome batia, não dava para pegar um ônibus e ir para a cidade de origem comer a comidinha da mamãe. As alternativas eram poucas para quem ganhasse baixo salário ou mesada curta.
A comida servida nas pensões costumava ser terrível, com algumas exceções. Eu nunca tive sorte nesse quesito. Para quem não fosse um ás das panelas, restava o Restaurante Universitário. Na segunda metade dos anos 1960, a boia do RU era catastrófica. Até a proverbial banana de sobremesa era ruim. A Al Quaeda adoraria fazer atentados com ela.
Para quem tivesse dinheiro, o lanche padrão era uma batida (vitamina) de abacate com sanduíche de pernil ou cachorro-quente com molho do Matheus, defronte à Praça da Alfândega. Atesto-vos que eram bons barbaridade. Mas isso só era possível nos dois ou três dias após o dia 28, quando os bancos pagavam o salário.
O pior era nos finais de semana, quando tudo fechava ou quase tudo fechava, como a cozinha das pensões. O remédio era batalhar um rango na casa dos amigos de Porto Alegre ou da namorada, mas os pais costumavam ser severos nisso. Ou, então, passava-se fome, simples assim.
Em vários domingos, percorri a Rua da Praia de alto a baixo, muitas vezes, para ver se encontrava um conhecido que praticasse a caridade. Nessas horas, eles somem, vocês sabem. Restava comer o quase intragável mata-fome nas bancas do Abrigo dos Bondes, na rua José Montaury, Centro. Você levava umas duas horas para fazer a digestão.
O mata-fome, nome oficial dado pelos concessionários das bancas, era o resto do resto dos doces já duvidosos em estado puro. O que sobrasse era comprimido em um recipiente. Na real, quase um tijolo. Então, esperavam que a massa escura endurecesse e cortavam em pedaços retangulares. Custavam centavos.
Vocês não sabem como o mata-fome era bom quando o estômago roncava.
Publicado por: Fernando Albrecht • 1 comentário em O tijolo que se comia