Os criadores de comida (final)

24 jul • A Vida como ela foi1 comentário em Os criadores de comida (final)

Última parte das lembranças das colônias alemãs, usos e costumes, em homenagem ao Dia do Colono, esse injustiçado herói. Eles sim que eram super-heróis.

Os cheiros são difíceis de desaparecer. Marcel Proust que o diga, com sua memória acionada por odores da infância. Digo o mesmo. Os cheiros são um poderoso gatilho aos meus tempos de São Vendelino, como morador e depois como hóspede do meu tio nas férias. Aroma dos móveis de madeira, guarda-roupas, travesseiros e cobertores também têm disso. O cheiro de lança no ar, lembram? Pois eu me lembro até hoje do cheiro das águas do arroio Forromeco no verão, antes mesmo de entrarmos nelas, sempre depois das 16h. Ordens da tia.

MADEIRA QUEIMADA

Cheiro de madeira queimando no fogão a lenha, cheiro das roupas quando a empregada passava a ferro com brasas no interior, cheiro da goiabada fervendo no caldeirão, cheiro das uvas, cheiro do mato próximo à minha casa, cheiro das peças de couro usadas pelo seleiro, cheiro frio que vinha do porão onde se estocavam alimentos perecíveis, cheiro dos meus amados livros escolares ou não, cheiro de banana amassada no pão com açúcar e canela, cheiro do meu cachorrinho Tupy, cheiro de cigarro de palhas, cheiro de xarope de groselha misturado com água.

DEPÓSITO DE CHEIROS

Todos eles me despertam até hoje. Uma vez dentro do mato, eu gostava de identificar as árvores pelo cheiro. Formei uma cheiroteca, por assim dizer, embora só pudesse guardá-la na minha memória olfativa. Cheiro de incenso queimando nas missas, cheiro de pão preto recém-saído do forno a lenha, cheiro de batata doce sendo assada. Cheiro de peixe de rio recém-pescado e cheiro dele sendo fritado. Cheiro de poeira e gasolina quando passava um carro, no máximo duas ou três vezes por dia.

O CHEIRO QUE DESLUMBRA

Mas um deles me comove até hoje. Numa das dobras do canal cavado na terra para alimentar o moinho, criei meu reino. Num pequeno espaço havia cinco ou seis pitangueiras. Essa é a fruta da minha infância que me persegue. Ali, naquele diminuto espaço, mas grande para mim na época, eu era rei. Improvisei uma espécie de ponte levadiça como nos castelos. O fosso eu tinha, só não tinha piranha e jacaré para afastar os invasores.

As pitangas sempre foram minha Rosebud. Quem viu o filme Cidadão Kane há de lembrar. Meu reino por uma pitangueira carregadinha.

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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One Response to Os criadores de comida (final)

  1. FAUSTO LEÃO disse:

    Albrecht, me lembro dos araçás que a gente colhia logo após uma chuva. Eram mais gostosos. Lá na Feliz só se conheciam os araçás brancos e às vezes com aquele vermezinho branco que também env
    fernizava nossas goiabas e invariavelmente as ameixas vermelhas… Isso tudo lá pelos anos 40/50. Um abraço cá do Caí.

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