O caso do porco comprimido

29 jan • A Vida como ela foiNenhum comentário em O caso do porco comprimido

Durante o Plano Cruzado dos anos 1980, que congelou os preços, houve um desabastecimento brutal. Sumiu tudo, de caixa de fósforos a geladeiras, passando pelas gôndolas dos supermercados. Valia mais a pena não vender do que vender. Certo domingo, estava eu no mercadinho do seu Léo quando surgiu o assunto. Nisso, entrou um cidadão gorducho, de terno e gravata, trazendo uma daquelas malinhas retangulares de papelão. Tão apertado estava o paletó que temi que os botões estourassem das casas e os estilhaços me atingissem. Imagina a manchete: “conhecido jornalista morreu atingido por estilhaços de botão de paletó” .

Bem, a conversa fluía, lamentos sobre as atribulações de bodegueiro e dos consumidores. A cada palavra, o gorducho do terno de força balançava a cabeça em solidariedade.  Lá pelas tantas, seu Léo perguntou o que eu queria.

– Precisaria de um leitão. A perpétua quer fazer leitão à pororoca. Já pesquisei por toda a cidade e não têm, alguns até nem se lembram como é um leitão.

– Pois eu tenho! – falou triunfante o gorducho, depositando a malinha em cima do balcão.

Ato contínuo se ouviu o clec-clec das linguetas da mala se abrindo. A cena foi estarrecedora. Dentro jaziam os restos mortais de um leitão espremido sabe-se lá por quantos dias. Como era maior que a mala, socaram o coitado do porquinho para dentro a ponto de se adaptar ao exíguo espaço. Morto, evidentemente. Olhei para o Léo, que meneou a cabeça em desaprovação.

– Olha, disse eu para o esperançoso vendedor, já vi ovo e caqui quadrado, mas leitão retangular nunca vi.

Se ele ainda tivesse a certidão de óbito do coitadinho para ver a data de falecimento… Se fosse recente, eu poderia pensar na proposta do gorducho. Mas não foi o caso. O rigor mortis já tinha se apossado do leitão.

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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