O caso do porco comprimido
Durante o Plano Cruzado dos anos 1980, que congelou os preços, houve um desabastecimento brutal. Sumiu tudo, de caixa de fósforos a geladeiras, passando pelas gôndolas dos supermercados. Valia mais a pena não vender do que vender. Certo domingo, estava eu no mercadinho do seu Léo quando surgiu o assunto. Nisso, entrou um cidadão gorducho, de terno e gravata, trazendo uma daquelas malinhas retangulares de papelão. Tão apertado estava o paletó que temi que os botões estourassem das casas e os estilhaços me atingissem. Imagina a manchete: “conhecido jornalista morreu atingido por estilhaços de botão de paletó” .
Bem, a conversa fluía, lamentos sobre as atribulações de bodegueiro e dos consumidores. A cada palavra, o gorducho do terno de força balançava a cabeça em solidariedade. Lá pelas tantas, seu Léo perguntou o que eu queria.
– Precisaria de um leitão. A perpétua quer fazer leitão à pororoca. Já pesquisei por toda a cidade e não têm, alguns até nem se lembram como é um leitão.
– Pois eu tenho! – falou triunfante o gorducho, depositando a malinha em cima do balcão.
Ato contínuo se ouviu o clec-clec das linguetas da mala se abrindo. A cena foi estarrecedora. Dentro jaziam os restos mortais de um leitão espremido sabe-se lá por quantos dias. Como era maior que a mala, socaram o coitado do porquinho para dentro a ponto de se adaptar ao exíguo espaço. Morto, evidentemente. Olhei para o Léo, que meneou a cabeça em desaprovação.
– Olha, disse eu para o esperançoso vendedor, já vi ovo e caqui quadrado, mas leitão retangular nunca vi.
Se ele ainda tivesse a certidão de óbito do coitadinho para ver a data de falecimento… Se fosse recente, eu poderia pensar na proposta do gorducho. Mas não foi o caso. O rigor mortis já tinha se apossado do leitão.