A valsa do bigode
Algumas semanas antes de morrer aos 91 anos, minha mãe contou que passou a ter lembranças esquecidas há dácadas. Via episódios com tanta nitidez que podia descrever o cenário, os diálogos e até os cheiros. Na última vez que a visitei em um abrigo de freiras, ela narrou um fato extraordinário, acontecido quando estava na casa dos 20 e poucos anos, final da década de 1920.
Meu pai tinha um armazém em São Vendelino, e para fazer negócios, era preciso ir longe por todo o Vale do Caí, não raro para rincões nas bibocas do fim do mundo, de preferência em festas que reuniam muita gente. Matança de porcos era uma delas. Pois foi lá pelas bandas do Morro Tico-Tico, na altura de Bom Princípio, a festa ia bem até que apareceu um desafeto do pai, sujeito de maus bofes. Entre uma agressão verbal e outra, mostrava um revólver preso na cintura.
Temendo o pior, um agregado do pai se postou entre os dois, ao tempo em que desafiou o inimigo com uma frase que, na tradução, era essa.
– Vou dançar uma valsa na frente do teu bigode!
Era uma provocação comum naquele tempo. Tão logo disparou a última vogal, o sujeito sacou do revólver e disparou. Morreu defendendo teu pai, disse minha mãe com lágrimas nos olhos. Então quando alguém fala no faroeste americano, sempre lembro dessa história.
Nós também tivemos o nosso.