Os olhos do Alfa Romeo

1 ago • A Vida como ela foiNenhum comentário em Os olhos do Alfa Romeo

Entre as avenidas e ruas que abrigaram bares, restaurantes e boates dos anos 1960, que hoje chamamos de danceterias, figura a Independência. Desde o comecinho, a partir da Praça Annes Dias, a noite e a madrugada acolhiam generosamente aqueles que não pretendiam dormir cedo. À esquerda quem sobe, antes da esquina com a rua Pinto Bandeira ainda existe o Bar Roquete, hoje uma lancheria.

Quem fazia o Caminho da Independência começava ali. Se por um acaso o artista do copo tivesse inclinação para a esquerda, descia a rua para encontrar o Urso Branco, o primeiro ou um dos primeiros a oferecer sanduíche aberto como o conhecemos. Mas eram ovelhas desgarradas.

Subindo, se chegava na esquina com a Barros Cassal, com o Bar Líder com filé de porco a milanesa (chamado de ali na mesa) com salada de maionese, criação do seu Adamastor e do Sarrafo. Do lado oposto havia um bar enrustido onde só as corajosas frequentavam.

O lado direito da Independência sempre teve uma maldição, pois até o fim só existia o Tia Dulce, passando a Santo Antônio, casa de sopas, de brigas, de amores desfeitos e guampas de sobreaviso na saída das boates. A Tia era faca na bota e sempre tomava providência quando as coisas fugiam do controle.

O marido, seu Cassel, um ex-oficial do Exército americano na II Guerra Mundial, ficava sentado placidamente puxando dois dedos de prosa com quem a quisesse. O maior esforço físico que fazia era levantar o polegar direito.

Coisas de vulto mesmo só a partir da esquina com a Garibaldi. Antes dela,  a boate Uísque A Go Go, do Rui Dallapicola, e depois O Stylo Bar, que foi do seu Bruno, do português Edmundo e por fim do ex-prefeito Sereno Chaise, o Santinho. Colado, o cine Vogue, onde cabiam 10 pessoas e meia, 11 bem apertados.

Na esquina com a Santo Antônio o bar-chope Rubayat. Pouco depois, a boate Locomotive do Éldio Macedo, o Vila Velha, mistura de boate com bar, que foi do Carlos Heitor Azevedo, o pioneiro com o Crazy Rabitt na descida da Garibaldi. Perto, a boate de Rubem Santos, Não se batiam palmas, se estalava os  dedos para não incomodar a vizinhança. E, sim, o Butikim do Ruy Sommer mais adiante.

Foi no tempo em que, para se mostrar diferente, a intelectualidade dizia estória em vez de história, e uma delas foi com o poeta Mário Quintana. Foi quando o prefeito Célio Marques Fernandes dividiu a Independência ao meio, tirou os bondes e as palmeiras do canteiro do meio.

Quando estava em obra e a pista da esquerda era só cascalho o poeta, e o jornalista Dario Vignoli, certa madrugada procuravam as quebradas do mundaréu. Eis que entra na pista interditada um JK Alfa Romeo com farol procurando olhos para cegá-los. Ante tão feérica agressão, Quintana se virou para Vignoli.

– Quem é este sujeito que nos fita com olhos esbugalhados?

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Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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