Os cheiros do passado
Todo mundo tem memória olfativa de comida, determinados doces, de casa, da infância e juventude, quase sempre ligados a coisas prazerosas. Vez que outra, aparece algum odor desagradável nestas memórias, que a maioria opta por não relembrar.
Mas há outro tipo de cheiro do passado que é neutro. São molduras da nossa vida pregressa que remetem a circunstâncias, definidas pelo filósofo Ortega Y Gasset como parte do ser – eu sou eu mais minhas circunstâncias.
O primeiro que me vem à lembrança é a mistura de gasolina com poeira. Morava em São Vendelino. Meu pai tinha uma “venda”, uma prensa de alfafa, forragem para cavalos muito valorizada por seu poder nutritivo. O maior comprador era o Exército, que utilizava muitos equinos naquela época. O valente caminhão caminhão Ford F8 transportava os fardos para os quartéis de São Leopoldo.
As estradas eram de chão batido, e a poeira, subproduto. Os motores a gasolina – diesel eram poucos – ainda funcionavam com carburador, e era necessário regulá-los para evitar perda do combustível. Mas isso era feito de vez em quando, exigia mão de obra especializada. Portanto, o cheiro de gasolina era constante. Juntava com a poeira, e eis que me vejo com 7 ou 8 anos na pequena São Vendelino na segunda metade dos anos 1940.
Agora vem a memória olfativa paralela, a do burro, da alfafa e do galpão onde ficava a prensa, alfafa trazida em carroças pelos colonos. Consistia em uma espaço semiaberto onde a prensa era acionada por um burro preso a uma longa haste de madeira, quase um poste.
Ele ficava andando em volta até que o Edwin o parava para enfardar com arame, que exigia força e perícia para que ficasse bem retangular a fim de ser levado nos ombros dos agregados até a carroceria do caminhão, que ficava estacionado no alto de uma rampa. Pano de fundo, por assim dizer, o cheiro do cigarro feito à mão, o palheiro.
A prensagem era feita a partir da tarde. O trabalho era pesado para os que carregam os fardos lomba acima. Nas noites frias de inverno, tenho outra lembrança, a de uma espécie de caipirinha que era servida em grande copo para o pessoal. Cachaça, mel, ou guaco, limão, e canela em pó bem mexida. O nome era “serrano”, que os colonos alemães pronunciavam “Serona”.
Esquentava no inverno e refrescava no verão, era o que se dizia dessa bebida. Essa de verão era desculpa. Mas o fato é que dava um calorzinho gostoso no corpo, segundo depoimentos da época. Eu era pequeno, portanto não era para meu bico. Vez por outra, eu furtava uma bicada.
Essa era a paisagem, um quadro dos cheiros: gasolina, poeira, alfafa sendo prensada, o cheiro do “Serona”, o suor do burro, o palheiro feito de fumo em corda, contrastando com o ar frio que se respirava.
Eu relutava em ir para a cama. Quando ia, vinha o cheiro do cobertor de pena e do travesseiro com fronha limpinha e recém lavada e o chocolate quente em caneca que aquecia as mãos, antes de dizer boa-noite e beijar minha mãe e meu pai.