O Rei morreu, viva o Rei
Ao tirar o manto da hipocrisia, essa roupa tão presente no dia a dia de todos nós, a morte de uma grande pessoa é a festa da mídia. O luto é aparente. Cada um que fala ou afunda os dedos no teclado precisa mostrar algo diferente em relação ao finado.
O caso de Pelé é um destes grandes que exigem textos pretensamente criativos – exceções à parte – sobre um mesmo assunto.
O disco de Newton
Aprendi no ensino médio uma demonstração prática de como todas as cores se derivam do branco. O gênio Newton bolou um disco com fatias – como se fossem de pizza – com as cores que conhecemos.
Ao girar esse disco em alta velocidade eis o milagre, o disco fica branco. É o que acontece com as centenas de milhares de textos aparentemente diferentes, mas são os mesmos.
A Maria que ninguém quer
O que é ruim é o fato de muitos escribas terem a retenção de criar algo inédito ao falar do defunto. Então, podem navegar na maionese e, não raro, são gongóricos. Enfim, todo mundo precisa ao menos tentar e não ser mais uma Maria que vai com as outras.
Não há como escapar. Gênio é o resumo bem resumido do que foi Pelé na arte de levar a bola ao seu fim precípuo: o gol. E fim de papo.
Aqueles que amam o prejuízo
Quase todo mundo conhece alguém que já foi vítima do golpe do aluguel, em que o falsário fotografa um determinado imóvel e o oferece aos incautos exigindo um sinal. Depois, toma doril.
Fico com pena ao ver gente que sonhava em um belo veraneio e acabou sem nada. Mas também tenho que admitir que pagar por algo que nem se viu ao vivo é o cúmulo da ingenuidade.
O Brasil tem muito vigarista porque tem muito otário.
Uma morte antecipada
A maioria das matérias sobre Pelé já estava redigida dias antes do desenlace. Quando muito, uma frase que outra sobre os detalhes finais entrou na última hora. Lembra a morte de Tancredo Neves, em 1985, antes mesmo de assumir.
Eu fazia o Informe Especial da Zero Hora nos anos 1980, e já se sabia que a morte dele era questão de tempo. Então se preparou um caderno especial cujo arremate seriam os últimos momentos. Até mesmo entrevistas com pessoas públicas já estavam prontas, mesmo com o estranhamento dos entrevistados.
Um deles foi o arcebispo Dom Cláudio Colling. Ao saber do repórter o motivo, ficou sem jeito.
– Meu filho, mas ele ainda não morreu.
No fim, ele se resignou com a morte antecipada.
No domingo daquele dia fatídico, eu era o editor de plantão para dar o sinal verde para rodar o caderno especial. Dias antes pedi para o editorialista Pilla Vares que deixasse pronto o texto.
– Só falta tu abrir o editorial com “Quis o destino…”
– Não me amola, Fernando, deixa comigo.
Não deu outra. O deadline estava próximo e o Pilla datilografando o editorial. Na abertura se lia “Quis o destino…”
Prece de ano novo
– Deus, o que são 100 anos para o senhor?
– Um segundo.
– E 100 milhões de reais?
– Um centavo.
– Então me dê um centavo, pode ser?
– Espera um segundo.
Moral da história: nunca tente passar a perna em malandro longevo.
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