O pecado mora ao lado

25 jul • A Vida como ela foiNenhum comentário em O pecado mora ao lado

A Porto Alegre da segunda metade dos anos 1960, com menos de 40 mil automóveis rodando, era uma cidade onde o clamor do sexo encontrava eco em alguns tipos específicos de sexo pago e outros não necessariamente trocados pelo vil metal, aquela coisa de ponto G ficar no ouvido. Tinha que ser artista para ter sucesso. Digamos, um em cada cinco tentativas.

O Queen’s, quase no finzinho da Andrade Neves, uma casa à média luz, cara para o proletariado. Até porque a clientela bebia scotch e champã francesa.

Bem, nem sempre. A Cuba Libre era bem democrática. Mas pedir rum com Coca-Cola já era atestado de pobreza. Ou gasta mais ou se manda. Vai pra zona, vai.

Nas imediações da bifurcação da André da Rocha/Fernando Machado cochichava-se sobre uma casa só com normalistas – fetiche na época. “Vestida de azul e branco/Trazendo um sorriso franco/No rostinho encantador/Minha linda normalista/Rapidamente conquista/Meu coração sofredor”, cantava Nelson Gonçalves. Podia ser uma lenda urbana. Ou não.

Já nas ruas imperava o trotoir, palavra francesa. As prostitutas tinham que rodar a bolsinha para cá e para lá. Se ficassem paradas, eram autuadas por policiais da Delegacia de Costumes.

Também havia milagres. Para almoçar e jantar fiado em uma pensão do Centro, a dona antes examinava o solicitante, Aqueles Que Estavam Sempre Duros. Se fosse guapo, ela o arrastava para seu quarto, cuja parede era cheia de imagens de santos mais uma estátua de São Jorge com lamparina movida a azeite.

Já no meio termo havia o Bambu, casa de bambu e madeira à espera de ser demolida. Ficava à direita de quem desce a Caldas Júnior. Boca muito entaipada.

Certa noite gelada, de lua cheia iluminando os belos desenhos geométricos dos paralelepípedos, depois  assassinados pelo asfalto, um homem alto saiu de lá cambaleando. Deu alguns passos e caiu morto no meio da rua, com uma enorme faca cravada no peito. Era um marinheiro sueco, preso em uma armadilha do destino em que levou a pior.

Mala suerte. Nasceu na Suécia, atravessou o Atlântico para conhecer o mundo em um navio. Tudo para morrer assassinado numa bela noite de lua cheia em uma cidade de que nunca antes tinha ouvido falar.

https://www.brde.com.br/

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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