O leitinho do seu Fernando

29 nov • A Vida como ela foiNenhum comentário em O leitinho do seu Fernando

Acreditem: houve tempo neste Estado e na sua Capital em que os leiteiros entregavam o produto em garrafas de vidro de um litro na porta das residências ou nos prédios ainda de madrugada sem que alguém os roubasse. Caso acontecesse, seria capa de jornal.

Havia também um outro modo de abastecer as populações. O DEAL, uma eficiente estatal, disponibilizava leite a granel através de uma caminhonete com tanque de leite gelado, que a população imediatamente apelidou de Vaquinha.

Parava em esquinas pré-determinadas e uma buzina especial alertava a vizinhança, que corria com panelas e jarros. O pagamento era no ato.

Mas devo confessar uma coisa: eu afanava alguns litros de leite vez que outra. Não era furto, era expropriação como diziam os assaltantes de bancos no tempo dos milicos.

Mas não das portas das casas. Somente do minúsculo bar da redação da Zero Hora, quando ela ficava na rua Sete de Setembro, centro de Porto Alegre, hoje o estacionamento Rex.

Eu tinha uma vida de cão naquela época, 1968: era repórter da madrugada das 23h até as 6h/7h da manhã, depois corria para a Faculdade de Jornalismo da UFRGS, saía ao meio dia e ia para meu outro emprego, no Banco da Província engolindo sem vomitar um atentado no RU.

Quando eu deixava a ZH de manhã, pegava um litro de leite do engradado do bar e bebia tudo de uma vez só. Confesso que me dava remorso. Até que numa manhã em que o cara que explorava o bar me pegou com a boca na botija. Gelei.

– Não te preocupa guri, vai firme que eu não tô vendo nada.

– Legal, agradeço. Mas não ficas no prejuízo?

– Não, porque não sou eu quem paga o leite. Acho que é o seu Ary.

Ary de Carvalho era o dono do jornal Zero Hora naquela época. Conversa vai, conversa vem, meu remorso sumiu. O fato é que nunca descobri em uma discreta investigação, sendo um bom repórter policial, quem realmente pagava o raio do leite.

Confesso que meu temor era que, no Dia do Juízo Final, seu Ary de Carvalho me espete um dedo acusador na cara gritando “Cadê meu leite, seu sacana?”

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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