O diário do sapato
Olhe para os pés das ruas. Tirando executivos e deputados, ninguém mais usa sapato. E sapato italiano ou cromo alemão só para quem tem dinheiro. É só sapatênis ou tênis. Vai longe o tempo em que engraxávamos nossos sapatos a ponto de ficarem reluzentes, quase um espelho. E também terminaram os calçados bons, realmente bons, os que não deformavam depois de dias e dias de chuva. Por isso engraxates começam a sumir, passou o tempo deles por falta de clientes. A gurizada nem pensar.
Nos meus verdes anos, havia duas marcas de sapatos mais esportivos de primeira linha e um com formato clássico, que podia tanto ser batido no dia a dia ou usado em bailes e recepções, o Clark. Os esportivos eram o Terra e o Samello, os dois de São Paulo. A indústria gaúcha não tinha e ainda não tem produtos que se comparem com estes três. Havia fã clubes, inclusive, uns gostavam mais do Samello, que era meu caso. Era mais para mocassim.
Naqueles tempos, como dizia Jesus, o presidente de um banco estatal contava para quem quisesse ouvir que ele tinha uma coleção de sapatos, dúzias deles. Até aí tudo normal, mas ele deu uma de caprichosos de Pilares. Em cada par ele colocava uma espécie de diário na primeira pessoa. “Fui usado pela última vez no domingo tal” e descrevia as condições do tempo que o sapato enfrentou. Também colocava o dia mês ano e hora em que foi comprado, a loja e o preço, e se tinha algum defeito ou se já tinha visitado o sapateiro e por qual motivo.
Isso sim que era diário. Ou folha corrida.